SÍNDROME DO IMPACTO

Aspectos biomecânicos relevantes da articulação do ombro.

A característica mais notável da articulação glenohumeral é sua habilidade de, por um lado estabilizar a cabeça humeral justamente no centro da cavidade glenóide e por outro, permitir um vasto alcance de movimentos nela. Este equilíbrio entre estabilidade e mobilidade é alcançada por uma combinação de mecanismos particulares a esta articulação.

Em contraste com, por exemplo, a articulação do quadril, a articulação glenohumeral não oferece uma cavidade estabilizadora profunda. Uma articulação do tipo acetabular limitaria os movimentos pelo contato do pescoço anatômico do úmero com seu rebordo. Ao invés, o pequeno arco da cavidade glenóide captura relativamente pouco da superfície articular humeral evitando, assim, o contato "pescoço-beira" permitindo um vasto alcance de posições.

Em contraste com articulações do tipo dobradiça como o joelho, as articulações interfalangeais, o cotovelo, e o tornozelo, a articulação glenohumeral não oferece ligamentos articulares isométricos que garantem  estabilidade quando a articulação é dobrada ao redor de um eixo anatômico definido. Ao invés, os ligamentos da articulação glenohumeral só apresentam importantes papéis de estabilização ao extremo de movimento, sendo negligentes e relativamente ineficazes na maioria das posições funcionais da articulação.

Apesar da falta de uma superfície estabilizadora mais profunda ou de ligamentos isométricos, o ombro normal centraliza a cabeça humeral justamente no centro da cavidade glenóide na maior parte dos movimentos. Isto só é possível em consequência de uma das mais importantes características do manguito rotador: a estabilidade.

Como já foi citado acima, os ligamentos glenoumerais não apresentam  importante papel na maioria dos movimentos funcionais. Mas o manguito rotador sim. Os músculos agem  em perfeita sincronia para estabilizar a cabeça do úmero na cavidade glenóide e o consegue na maioria dos movimentos funcionais, pois há um equilíbrio entre as forças de ação destes músculos. Qualquer alteração neste equilíbrio pode levar a alguma sintomatologia no ombro e isto será visto mais tarde.

É notável que esta articulação aparentemente "frouxa" pode prover tal precisa centralização, resistindo à acção gravitacional do braço pendurado e apoiado por longos períodos, permanecendo estável durante o sono, permitindo o levantamento de grandes cargas, e mantendo estabilidade durante a aplicação de uma quase infinita de forças de diferentes magnitudes, direção, duração e rudeza.

SÍNDROME DO IMPACTO

Revisão de Conceitos Atuais para Tratamento Fisioterápico

1 - INTRODUÇÃO

Nas ultimas duas décadas, a síndrome do impacto tem se tornado um diagnóstico cada vez mais comum para pacientes com dores no ombro. Porém) a sindrome do ànpacto é um diagnóstico especifico e não é a única causa de dor na porção ântero-superior do ombro. O impacto pode ser de difícil detecção pois a clínica apresentada pode estar confusa. É importante diferenciar a sindrome do impacto de outras condições que causam manifestações clínicas no ombro, como a radiculite cervical, tendinite calcárea, capsulite adesiva, doenças degenerativas (da articulação, osteoartrose isolada da articulação acrômio-clavicular e compressão, nervosa.

Muitos autores no passado reportaram o contato anormal entre o manguito rotador e o arco coracoacromial, mas a etiologia exata não era claramente entendida. Foi só em 1972 que Charles Neer descreveu a síndrome do impacto como uma entidade clínica distinta. Para entender a etiologia do impacto, é preciso compreender as características anatômicas peculiares do espaço subacromial. Nesse espaço, um número de partes moles estão localizadas entre duas estruturas rigidas que se movem.  A borda superior  é o arco  coracoacro-

mial ( 1 - porção ântero-inferior do acrômio, 2- ligamento coracoacromial, 3- processo coracóide, 4- articulação acrômio-clavicular). A borda inferior consiste na grande tuberosidade assim como o aspecto superior da cabeça do úmero. Normalmente o tamanho do espaço subacromial varia de 1 a 1,5 cm como visto em radiografias (1). Porém, interposto entre estas estruturas ósseas estão: 5- subescapular, 6- supra-espinhoso, 7- infra-espinhoso, 8- redondo menor, 9- cabeça longa do bíceps e a bursa subacromial, não representada. Qualquer condição que afete a relação fisiológica entre estas estruturas e o espaço subacromial, pode levar ao impacto.

2 - CAUSAS

As causas da síndrome do impacto são divididas didaticamente em:

- Fatores extrínsecos: são aqueles relacionados com o impacto mecânico nas estruturas do arco coracoacromial;

- Fatores intrínsecos: são aqueles relacionados com as alterações fisiológicas das estruturas do espaço subacromial.

Fatores Intrínsecos:

Fraqueza muscular

Vários estudos comprovam que a fraqueza dos músculos do manguito rotador pode levar a uma superiorização da cabeça do úmero, levando assim ao fenômeno do impacto (Jerosh, 1989; Payne, 1997; Sharkey, 1995). É consenso que uma importante função do manguito é a estabilização, pois em um ombro são, ele centraliza  a  cabeça  do úmero exatamente no centro da cavidade glenóide deixando os ligamentos e a cápsula frouxos  durante a maioria dos movimentos funcionais(2). Um desbalance dos músculos situados abaixo do hemisfério da cabeça do úmero em relação ao supra-espinhoso e principalmente o deltóide, que é substancialmente mais volumoso, puxaria a cabeça do úmero para cima causando assim o impacto.

Wickiewicz (3) estudou doze voluntários que não tinham qualquer estória de problemas no ombro e encontrou evidências radiográficas, de migração superior da cabeça do úmero na medida em que os músculos rotadores foram sendo fatigados.

Jerosh (4) em um estudo biomecânico em cadáveres, observou que o desbalance dos músculos do manguito pode causar o impacto. Além disso o autor também sugeriu que a acromioplastia só deveria ser realizada se a patologia afetasse o acrômio. Se só houvesse desbalance muscular, ele recomenda um programa de reforço nos músculos rotadores do manguito. A fraqueza dos rotadores na síndrome também já foi descrita clinicamente (Leroux, 1994) e que esta condição aumenta consideravelmente o impacto subacromial (Flatow, 1994).

Estes são dados importantíssimos para o programa de reabilitação, pois a persistência do quadro álgico leva ao desuso, que leva a mais fraqueza, que por sua vez conduz ao aumento do impacto, causando mais dor, fechando assim, o cicio vicioso.

Fraqueza Impacto
CICLO
Desuso Dor

Uso excessivo (overuse)

É a chamada "overuse syndrom" e é encontrada em atletas que usam o membro superior em demasia e os realizam com movimentos repetitivos sobre a cabeça (overhead motion). As atividades mais comuns incluem, natação, tênis, lançadores. etc. Uma mínima mudança na técnica em que o atleta realiza seus movimentos pode levar a um distúrbio das forças de equilíbrio do ombro excedendo o nível de tolerância das partes moles. Isto causa uma inflamação e aumento da área ocupada por elas no espaço subacromial, levando a fricção sob o arco coraco-acromial.

Hipovascularização tendínea:

Vários estudos confirmam esta hipótese. Sabe-se que a pressão contínua entre a grande tuberosidade e a porção ântero-inferior do acrômio determina diminuição da rede capilar na zona de inserção do músculo. No exame microscópico, segundo Fukuda, dentro do tendão existe maior concentração de vasos sanguíneos na parte bursal do que na parte articular. Os estudos pioneiros de Codman no início do século, confirmados pelos de Macnole na década passada são fortes argumentos que sustentam esta hipótese.

Fatores Extrínsecos

Impacto subacromial primário:

No passado, muitos autores já haviam citado a morfologia acromial como fator desencadeante da síndrome do impacto, mas foi novamente Neer que demonstrou claramente a relação entre o fenômeno de impacto e a degeneração do manguito rotador. O impacto ocorre contra a porção ântero-inferior do acrômio, o ligamento coraco-acromial e a articulação acrômio-clavicular.

Louis Bigliani e col. estudaram 139 ombros de setenta e um cadáveres e identificaram três tipos de acrômio baseados em observações diretas e radiográficas: tipo I: reto; tipo II: curvo; tipo III: ganchoso. Esta classificação é usada universalmente como referência da morfologia acromial.

Morrison e col. avaliaram consecutivos duzentos pacientes e acharam que 80% dos que tinham rotura completa de manguito apresentavam o acrômio tipo III.

Instabilidade glenoumeral:

Em se tratando de atletas, é imperativo investigar instabilidade glenoumeral como sendo a causa primária do problema. Alguns autores sugerem que a instabilidade causa um ajuste na biomecânica do smovimentos sobre a cabeça, que pode lavar ao impacto. Glousman e col. em estudo eletromiográfico em arremessadores de beisebol com instabilidade glenoumeral, constatou que uma mudança na atividade de certos músculos acontecia durante o arremesso, o que justificaria a hipótese acima.

Impacto com o processo coracóide:

O impacto com o processo coracóide é menos comum, mas é de grande importância diagnóstica pois o seu tratamento é diferencial. Em pacientes com impacto coracóide, a dor é localizada na porção ântero-medial do ombro e é referida para o braço e antebraço. A dor pode ser provocada fletindo o braço e o rodando internamente.

Os acromiale:

Os acromiale seria uma epífise acromial não unida e sua relação com o impacto subacromial pode ocorrer pois a epífise acromial anterior não unida, supostamente fica hipermóvel tracionada pelo ligamento coraco-acromial e se inclina anteriormente, levando ao impacto.

Impacto com o rebordo postero-superior da glenóide:

Recentemente alguns autores descreveram outra forma de impacto em atletas engajados em atividades que usam o membro superior em demasia. O único achado artroscópico anormal foi o impacto da grande tuberosidade com o rebordo postero-superior da glenóide. Guilles Walsh descreveu uma série de 17 casos de impacto postero-superior que ocorria em nadadores e arremessadores.

3 - EVOLUÇÃO

Neer descreveu as três fases evolutivas da síndrome compressiva do manguito e são universalmente até os dias de hoje.

Fase I

Edema e hemorragia reversíveis. Ocorrem em pacientes jovens devido ao excesso de uso do MS no esporte ou trabalho; o tratamento adequado é o conservador.

Fase II

Fibrose e tendinite do manguito rotador. Ocorrem de maneira crônica em pacientes com idade entre 25 e 45 anos. Os sinais clínicos são intermitentes. Nestes casos, o tratamento conservador pode ser suficiente apenas nos primeiros episódios dolorosos; a acromioplastia clássica por via aberta ou artroscópica tem sua grande indicação, já que alivia definitivamente os sintomas dolorosos e previne a ruptura do manguito, que certamente ocorreria na evolução natural da doença. É considerada por alguns autores como cirurgia "profilática".

Fase III

Rotura completa do manguito com alterações ósseas típicas ao raio X simples (esclerose óssea, cistos subcondrais, osteófitos na porção anterior e na articulação A-C, e contato da cabeça do úmero com o acrômio, nos casos de rotura completa do manguito). Ocorre geralmente em pacientes de 40 a 50 anos. O diagnóstico de certeza pode ser dado através da artrografia, ultrassonografia, rerronância nuclear magnética, etc. A indicação cirúrgica é formal e tem como objetivo a acromioplastia (para descomprimir) e a reconstrução do manguito rotador (para melhorar a função do MS e evitar a degeneração da articulação acromio-clavicular e glenoumeral, "rotator cuff arthropathy").

4 - QUADRO CLÍNICO

Dor:

Proporcional ao grau de inflamação, e não ao tamanho da rotura. Piora à noite pelo estiramento das partes moles. Pode ser espontânea e aumentar com os movimentos. Está presente em todas as fases da lesão.

Arco doloroso:
Ocorre quando a dor está presente na elevação do MS, em rotação interna entre 70 e 120 graus, e é explicado pelo impacto subacromial. A dor diminui após os 120 graus de elevação.

Crepitação:

É a rotura da bursa subacromial. Pode estar presente nas fases II e III de Neer. É um sinal de alerta importante. Pode ser palpado ou mesmo ouvido.

Força muscular:

A abdução e a rotação externa estão geralmente diminuídas no lado envolvido. O teste é realizado comparando-se o lado contralateral e é acompanhado de dor.

Contratura (capsulite adesiva):

Ocorre em cerca de 14% dos casos de Neer, Flatow e Lech e se deve ao processo inflamatório que se instala nos tendões e à imobilidade do MS, determinada pela dor.

5 - TESTES ESPECÍFICOS

Teste para tendinite de supra espinhoso:

Com o paciente sentado, instrui-lo para abduzir o braço a 90 graus com o braço em abdução e flexão para a frente. Instruir o paciente para abduzir o braço contra resistência.

Este teste tensiona o deltóide e o supra espinhoso. Dor na inserção do supra espinhoso pode ser indicativo de tendinite degenerativa do tendão supraespinhoso.

Teste de coçar de Apley:

Com o paciente sentado, instrui-lo para colocar a mão no lado do ombro afetado atrás da cabeça e tocar o ângulo superior da escápula oposta. A seguir, instruir o paciente para colocar a mão atrás das costas e tentar tocar o ângulo inferior da escápula oposta. Esta manobra coloca em tensão os músculos do manguito e sugere tendinite degenerativa.

Teste de colisão de Hawkins-Kennedy:

Com o paciente em pé, flexionar o ombro para frente a 90 graus, a seguir forçar o ombro em uma rotação interna sem resistência do paciente. Este movimento empurra o tendão do supra espinhoso contra a superfície anterior do ligamento coracoacromial. Dor localizada é indicativa de tendinite supra espinhosa.

Teste de xilocaína:

A injeção de 8 a 10ml de xilocaína no espaço subacromial proporcionará alívio imediato da dor negativando todos os testes irritativos e o arco doloroso.

6 - TRATAMENTO FISIOTERÁPICO

No paciente com a síndrome do impacto, o que o motiva à consulta médica é sempre a presença de um quadro álgico intenso e geralmente incapacitante. E quando encaminhados ao serviço de reabilitação, o paciente, o médico, a família e outras partes envolvidas, depositam no fisioterapeuta toda sua expectativa e esperança de cura. Isto faz do profissional o responsável direto pela recondução do paciente às suas atividades normais.

O tratamento fisioterápico para a síndrome do impacto vai variar de acordo com a causa primária do problema. Mas geralmente lidamos com sinais clínicos parecidos na maioria dos casos. Um pleno entendimento destas condições, e porque elas estão presentes, facilita em muito a elaboração do procedimento fisioterápico. Para o tratamento conservador, só serão levadas em consideração as alterações apresentadas nos estágios I e II, pois só estes são indicados para tal.

Alterações fisiológicas (fases I e II):

- Inflamação da bursa subacromial;

- Inflamação do(s) tendão(ões) do manguito rotador;

- Edema subacromial;

- Diminuição do espaço subacromial;

- Fraqueza muscular, principalmente dos rotadores externos.

Objetivos da fisioterapia:

- Diminuição do quadro álgico;

- Dimiuir o quadro inflamatório;

- Devolver ao espaço subacromial sua integridade fisiológica;

- Restabelecer força aos músculos afetados;

- Reintegrar paciente à AVD's.

Protocolo fisioterápico:

Mesmo nos quadros agudos, ou até crônicos em que encontramos um quadro álgico intenso, já podemos iniciar um tratamento cinesioterápico no paciente para tentar diminuir sua queixa principal: a dor.

Se temos a dor como manifestação clínica, certamente já temos instalado um quadro inflamatório, o que aumenta o volume das estruturas subacromiais levando a mais fricção das mesmas contra o arco coracoacromial, o vai conduzir a mais dor e mais inflamação.

Como já foi visto, com o aumento do quadro álgico o paciente deixará de usar o membro para a maioria dos seus movimentos do dia a dia. O desuso afetará a biomecânica normal no ombro.

Durante a elevação ativa do membro, os músculos deltóide e supra espinhal estão atuando para a realização de tal movimento. Neste movimento, os músculos rotadores internos e externos do manguito apresentam importante papel de estabilização, pois eles tendem a tracionar a cabeça do úmero para baixo, mantendo-a centralizada na cavidade glenóide, conservando íntegro, assim, o espaço subacromial. Com o desuso, os rotadores serão os mais prejudicados, levando a uma superiorização da cabeça umeral.

Se queremos acabar com o quadro inflamatório e conseqüentemente a dor, temos que descomprimir o espaço subacromial, diminuído pelas razões já citadas.

Para tal, entra em cena o programa de fortalecimento dos músculos rotadores do manguito, ou seja, o subscapular, o infra espinhoso e o redondo menor (estabilizadores).

Se o paciente ainda não consegue realizar os movimentos isotonicamente, podemos intrui-lo a realizá-los isometricamente, contra uma parede, por exemplo, até que o consiga. Segue um roteiro do tratamento:

- Cinesioterapia ativa dos rotadores Int. e Ext.;

- Distensão capsular c/ inferiorização passiva da cabeça do úmero, descomprimindo o espaço subacromial;

- Alongamento (stretch de supra espinhoso);

- Exercícios de Coodman, também para descompressão subacromial;

- Crioterapia;

- Medidas eletroterápicas antiinflamatórias: Ultra-som, iontoforese

* É importante que, durante o tratamento, as atividades que requeiram o uso dos membros superiores sobre a cabeça sejam evitados ou mesmo substituídos, assim como as atividades que possam levar ao impacto subacromial e dor.

* Com o alívio do quadro álgico e a restauração do arco de movimento completo, todos os músculos da cintura escapular devem ser fortalecidos.

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Fonte: www.wgate.com.br/fisioweb

Blair José Rosa Filho