Referência  em  FISIOTERAPIA  na  Internet

 www.fisioweb.com.br 


Trabalho realizado por:
- Sheila Gemelli de Oliveira*
E-mail: sgol@upf.br
- Lia Mara Wibelinger**
- Raquel Del Luca***

*Fisioterapeuta, Professora do curso de Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo - UPF/RS, Mestre em Gerontologia Biomédica,
** Professora do curso de Fisioterapia da UPF/RS.
*** Acadêmica do curso de Fisioterapia da UPF/RS


TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO:
UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA


TRAUMATIC BRAIN INJURY: A BIBLIOGRAPHICAL REVISION


RESUMO

     O Traumatismo Cranioencefálico constitui a principal causa de óbitos e seqüelas em pacientes multitraumatizados. Entre as principais causas estão: acidentes automobilísticos (50%), quedas (21%), assaltos e agressões (12%), esportes e recreação (10%). No Brasil, anualmente meio milhão de pessoas requerem hospitalização devido a traumatismos cranianos, destas, 75 a 100 mil pessoas morrem no decorrer de horas enquanto outras 70 a 90 mil desenvolvem perda irreversível de alguma função neurológica. Em função de sua alta ocorrência e malignidade, este artigo de revisão bibliográfica abordará tópicos referentes ao traumatismo cranioencefálico, fornecendo um maior conhecimento sobre o tema; destacar a importância do tratamento fisioterapêutico no tocante à melhora dos déficits funcionais nestes pacientes. Conclui-se que a prevenção é o principal artifício utilizado para redução do alto índice de mortalidade e morbidade deixado por tal trauma através de programas e campanhas de prevenção de acidentes direcionados principalmente às suas principais vítimas: crianças e adultos jovens.

Palavras chaves: traumatismo cranioencefálico (TCE), fisioterapia e prevenção.
 

ABSTRACT

Traumatic brain injury constitutes principal cause of deaths and sequels in multitrauma patients. The main causes are: automobile accidents (50%), falls (21%), assaults and aggressions (12%), sports and recreation (10%). In Brazil, annually half millions of people request hospitalization due traumatic brain injury, of these, 75 to 100 thousand people die in elapsing of hours while other 70 to 90 thousand develop irreversible loss of some neurological function. In function of your high occurrence and malignity, this article of bibliographical revision will approach referring topics to the traumatic brain injury, supplying a larger knowledge on the theme; to detach the importance of the physiotherapy treatment concerning the improvement of the functional deficits in these patient ones. It is ended that the prevention is the principal artifice used for reduction of the high mortality and malignity rate left by such a trauma through programs and campaigns of prevention of accidents addressed your principal victims: children and young adults.

Key-words: traumatic brain injury (TBI), physiotherapy e prevention.

  

INTRODUÇÃO

O traumatismo cranioencefálico (TCE) é uma agressão ao cérebro, não de natureza degenerativa ou congênita, mas causada por uma força física externa, que pode produzir um estado diminuído ou alterado de consciência, que resulta em comprometimento das habilidades cognitivas ou do funcionamento físico. Pode também resultar no distúrbio do funcionamento comportamental ou emocional. Este pode ser temporário ou permanente e provocar comprometimento funcional parcial ou total, ou mau ajustamento psicológico 9.

O TCE pode ser provocado por acidente de trânsito (60 a 70%), quedas (20%) e outras causas mais raras como agressões e projétil de arma de fogo 5.

Os pacientes vítimas de TCE são a quarta principal causa de mortalidade nos EUA nos últimos 40 anos, enquanto que entre as pessoas de 1 a 45 anos se encontram em primeiro lugar. A mortalidade dos pacientes vítimas de TCE está em torno de 40% e não está limitada somente aos países desenvolvidos, sendo o TCE bastante presente em todo mundo. Infelizmente, mais da metade das mortes por TCE ocorre no local do trauma, sem tempo hábil para reanimação 5.

O presente estudo de revisão bibliográfica tem como objetivo um maior conhecimento sobre o tema. Para isso, serão abordados os seguintes tópicos: conceito, incidência fisiopatologia, tipos, quadro clínico, classificação, complicações, seqüelas, diagnóstico e tratamentos. Quanto aos tipos de tratamentos, será destacado a importância da fisioterapia em proporcionar uma melhor qualidade de vida aos pacientes com TCE descrevendo as técnicas mais utilizadas para tal propósito.

CONCEITO

            O TCE constitui qualquer agressão que acarrete lesão anatômica ou comprometimento funcional do couro cabeludo, crânio, meninges ou encéfalo. É a causa de morte mais freqüente entre os 2 e 42 anos de idade 4.

INCIDÊNCIA

            A incidência de TCE é maior para homens que para mulheres em mais de 2:1. Mais de 50% dos pacientes com TCE está entre as idades de 15 e 24 anos 9.

FISIOPATOLOGIA

            É importante que sejam compreendidos os mecanismos da lesão cerebral, visto que há conseqüências sensoriomotoras, cognitivas, comportamentais e sociais diretamente seqüenciais à injúria 5.

As lesões primárias ocorrem segundo a biomecânica que determina o trauma. As lesões secundárias ocorrem segundo alterações estruturais encefálicas decorrentes da lesão primária bem como de alterações sistêmicas decorrentes do traumatismo. O objetivo principal do tratamento é evitar ou minimizar as lesões cerebrais secundárias 4.

Lesão Primária

            Decorrente da ação da força agressora, ou seja, ligada ao mecanismo do trauma. Nos TCE dois tipos de fenômenos biomecânicos podem ocorrer 4:

a)      Impacto: certa quantidade de energia é aplicada sobre uma área relativamente pequena, sendo dependente da intensidade e do local do impacto;

b)      Inerciais: o cérebro sofre em condições de mudança abrupta de movimento: aceleração ou desaceleração por absorver esta energia cinética.

Principais lesões primárias:

a)      Fraturas 3;

b)      Contusões e lacerações da substância cinzenta: lesões corticais atingindo cristas das circunvoluções. Pode-se observar extravasamento de sangue em forma de hemorragia subpial. Mecanismos geralmente associados são a aceleração e desaceleração rotatórias (base do lobo frontal e pólo temporal anterior), compressão direta, lesões por contragolpe localizadas no pólo oposto ao impacto. Achados mais específicos são a hemorragia e a necrose (sangue extravasado comprime células próximas causando isquemia focal). Resultado é lesão anóxica das células neuronais e gliais, tumefação e fragmentação dos axônios com desmielinização das fibras 4;

c)      Lesão axonal difusa: é secundária ao cisalhamento das fibras mielínicas com degeneração walleriana da bainha de mielina das fibras seccionadas. Esta lesão ocorre quando uma força de impacto com um componente de aceleração rotatória atinge os feixes de fibras perpendicularmente, fazendo que ocorra uma cizalhamento. Pequenas lesões petequiais são freqüentes no corpo caloso e nos pedúnculos cerebelares superiores e, mais tarde, surge dilatação ventricular por retração da substância branca, em virtude do processo de degeneração 3. É característico de lesão de parênquima cerebral sendo que o coma dura mais de 6 horas 7.
 

Lesão Secundária

As causas destas lesões podem surgir no momento do traumatismo ou após um certo período de tempo. Do ponto de vista clínico manifestam-se tardiamente. Do ponto de vista terapêutico, sobre as lesões primárias não podemos agir, todavia nas secundárias, em muitos casos pode-se atuar interrompendo o processo fisiopatológico de seu desenvolvimento, evitando o agravamento da lesão 4.

Principais lesões secundárias:

a)      Hematomas intracranianos classificam-se em:

Extradurais: coleção sangüínea entre o crânio e a dura-máter por laceração de um vaso meníngeo, de um seio venoso ou de sangramento diplóico. Localiza-se freqüentemente na região temporal. Quadro clínico: início assintomático e posteriormente hemiparesia contralateral, sinais de HIC 4. O paciente passa por um intervalo lúcido, ou seja, fica inconsciente e de repente ele volta a ter uma certa consciência. Tratamento é cirúrgico 5.

Subdurais:  caracteriza por uma coleção sangüínea entre a dura-máter e o cérebro 5. A causa mais comum é a ruptura traumática de veias cortico-meníngeas que vão do córtex aos seios durais. Freqüentemente em regiões temporais e frontais. Tratamento é cirúrgico e prognóstico menos animador que o anterior4.

Intraparenquimatosos: coleção compacta de sangue alojada dentro do parênquima cerebral. A localização preferencial é no lobo temporal e, em seguida, no lobo frontal 4. É uma lesão mais séria e tem um volume de sangue acima de 5 ml. Geralmente este paciente vai evoluir para o coma 5. 

b)      Hipertensão intracraniana: é uma das complicações mais freqüentes do TCE e a principal causa de óbito no momentos iniciais da evolução. A pressão intracraniana tende a se elevar acima de 15 mmHg. Mecanismos mais freqüentes no desenvolvimento da HIC 4:

Aumento da massa cerebral por edema cerebral ou exsudatos inflamatórios: considera-se edema o aumento do volume do parênquima cerebral devido a aumento de seu conteúdo em água.

Aumento do volume e da pressão do LCR: por hidrocefalia obstrutiva ou cistos aracnóideos traumáticos.

Aumento do volume de sangue intracraniano: por hiperemia ou congestão da microcirculação ou hematomas e hemorragias intracranianas. Hiperemia é a congestão da microcirculação por vasoplegia, aumentando o volume de massa cerebral por acúmulo de sangue no leito vascular vasoplégico.

Conseqüências mecânicas da HIC: desvio encefálico supratentorial podendo ser identificado por suas etapas finais que são a hérnia do cíngulo, hérnia transtentorial e hérnia do uncus do hipocampo. Os deslocamentos ou herniações supratentoriais podem causar complicações vasculares, obstrutivas. As que se localizam debaixo da foice comprimem a artéria cerebral anterior. Tanto a hérnia transtentorial como a hérnia uncal comprimem a artéria cerebral posterior, produzindo infarto e edema na área occipital. A mais importante é a herniação que bloqueia o aqueduto e assim o fluxo liquórico 4.

c)      Lesão cerebral isquêmica: em regiões pericontusionais, na oclusão as artéria posterior por herniação transtentorial, em pacientes com hipotensão sistêmica 4.
 

TIPOS DE TCE 7

a)      Traumatismos cranianos fechados: quando não há ferimentos no crânio ou existe apenas uma fratura linear. Estes podem ser subdivididos em: concussão (aquele sem qualquer lesão estrutural macroscópica do cérebro), e aquele com destruição do parênquima cerebral onde há edema, contusão, laceração ou hemorragia. Concussão é uma breve perda de consciência depois do traumatismo sendo atribuída por uma desconexão funcional entre o tronco cerebral e os hemisférios e geralmente recobre a consciência antes de 6 horas;

b)      Fratura com afundamento do crânio: o pericrânio está íntegro, porém um fragmento do osso fraturado está afundado e comprime ou lesiona o cérebro;

c)      Fratura exposta do crânio: indica que os tecidos pericranianos foram lacerados e que existe uma comunicação direta entre o couro cabeludo lesionado e o parênquima cerebral através dos fragmentos ósseos afundados ou estilhaçados e da dura lacerada.


QUADRO CLÍNICO

a) Alteração da consciência. O coma pode ser mais prolongado, durando várias horas, dias ou semanas quando há tumefação, hemorragia, LAD ou contusão ou laceração do córtex. Quando os pacientes saem do coma podem apresentar cefaléia por mais de 12 horas, confusão mental (presença de contusão ou laceração do córtex). A Escala de Glasgow mostra-se eficaz na avaliação de pacientes com TCE. No entanto, esta escala não é válida em crianças, em pacientes em choque ou naqueles intoxicados, hipóxicos ou que sofreram derrame, traumatismo orbitário e da coluna vertebral 7;

b) Choque cirúrgico 7;

c) Transtorno da função neuromuscular: aumento do tônus (centros superiores do encéfalo), tremor (gânglios da base ou o cerebelo), hipotonia (transecção da medula cervical), ataxia, perturbações das reações de endireitamento e equilíbrio (lesão do tálamo) 6;

d)  Transtorno sensorial: lesão da área sensitiva do córtex 6;

e) Transtorno da linguagem, comunicação e audição: afasia 6;

f)  Alterações da personalidade, controle das emoções e intelecto 6;

g) Transtornos visuais - diplopia, nistagmo, perda parcial ou total da visão 6;

h) Epilepsia 6;

i) Incontinência 6;

j) Complicações por imobilização prolongada: úlceras de decúbito, deformidades das articulações, miosite ossificante, atrofias por desuso 6;

k) Paralisias de nervos cranianos 5;

l) Alteração na função autonômica (pulso, FR, geralmente estão diminuídos, a temperatura pode estar elevada, dentre outras características. Geralmente, o paciente apresenta aumento da sudorese, a PA pode estar descontrolada 5;

m) Posturas anormais: pode ocorrer decorticação quando o paciente apresenta respostas flexoras em membros superiores e inferiores ou desaceleração quando ocorrer respostas extensoras em membros superiores e inferiores5.
 

CLASSIFICAÇÃO 7

QUADRO 1: classificação dos TCE

GRUPO DE RISCO

CARACTERÍSTICAS

Baixo

Assintomático, cefaléia, tonteira, hematoma ou laceração do couro cabeludo, ausência de critérios de risco moderado ou alto.

Moderado

Alteração da consciência no momento do traumatismo ou depois; cefaléia progressiva; intoxicação com álcool ou drogas; história inconfiável ou ausente do acidente; idade inferior a 2 anos (a menos que traumatismo seja banal); convulsão pós-traumática, vômito, amnésia; politraumatismo, traumatismo facial grave, sinais de fratura basilar; possível penetração no crânio ou fratura com afundamento; suspeita de violência contra a criança.

Alto

Depressão da consciência (não claramente devida a álcool, drogas, encefalopatia metabólica, pós-crise); sinais neurológicos focais, nível decrescente da consciência; ferida penetrante do crânio ou fratura com afundamento palpável.

 

COMPLICAÇÕES

a)      Lesões vasculares: hemorragia, trombose, aneurismas 7;

b)      Infecções: osteomielite, meningite, abcesso 7;

c)      Rinorréia liquórica 7;

d)      Otoliquorréia 7;

e)      Pneumocele 7 ;

f)        Cistos leptomeníngeos 7;

g)      Lesão de nervos cranianos 7;

h)      Lesões focais do cérebro 7;

i)        Diabetes insípido: é raro e ocorre em virtude de danos na neuro-hipófise 10.
 

SEQÜELAS

a)      Crises convulsivas 7;

b)      Psicose 7;

c)      Síndrome pós-traumática (não apresenta base patológica definida): com alteração da memória e da concentração, alterações da personalidade, cefaléia, desordens neurológicas focais ou convulsões. A demência é caracterizada por afeto alegre ou lábil, lentidão mental, déficit de memória e irritabilidade. As anormalidades neurológicas associadas incluem tremor, rigidez, bradicinesia, disartria, ataxia cerebelar, sinais piramidais e convulsões. As investigações neurológicas podem mostrar uma atrofia cortical e cavum de septo pelúcido 3,

d)      Epilepsia pós-traumática: ocorre em casos em que há convulsões iniciais na primeira semana depois da lesão, fratura de crânio com depressão, hematoma intracraniano, amnésia pós-traumática por >24 horas 10;

e)      Espasticidade: desenvolve-se após alguns dias ou nas primeiras semanas. Os objetivos do tratamento são melhorar a função, prevenção de contraturas, e prevenção da dor 10;

f)        Ossificação heterotópica: neoformação óssea periarticular. Sinais clínicos: dor, edema, aquecimento e ADM reduzida 10.

EXAME DO PACIENTE COM TCE

            As informações sobre o evento traumático devem ser colhidas de observadores. Deve-se procurar saber sobre a causa do traumatismo, a intensidade do impacto, a presença de sintomas neurológicos, convulsões, diminuição de força, alteração da linguagem, e, sobretudo, deve-se documentar qualquer relato de perda de consciência 8.

Pesquisar:

a)      Tipo de traumatismo 4;

b)      Tempo decorrido entre o acidente e o exame 4;

c)      Informações sobre conseqüências imediatas como perda da consciência, vômitos, crises convulsivas e sobre antecedentes que possam estar relacionados ao acidente, como desmaios, passado comicial, vertigens 4.

Importante investigar o estado de consciência, reação pupilar, movimentos dos olhos, reflexos oculares, respostas motoras, e padrões respiratórios 5.


EXAMES SUBSIDIÁRIOS

a)      Raio X de crânio nas incidências ântero-posterior e lateral: as fraturas da convexidade são geralmente bem visíveis, mas as fraturas da base podem ser vistas em menos de 10% dos caso 8;

b)      Tomografia computadorizada: quando paciente apresenta distúrbio de consciência, sinal focal ao exame, convulsão pós-traumática, fraturas, insuficiência respiratória e/ou circulatória4. A tomografia computadorizada de crânio pode demonstrar fraturas, hematomas intra e extra-cerebrais, áreas de contusão, edema cerebral, hidrocefalia, e sinais de herniação cerebral 8;

c)      Angiográfico encefálico: permite diagnóstico de processos expansivos traumáticos 4. É indicado para avaliar lesões vasculares no pescoço ou na base do crânio 8;

d)      EEG 4;

e)      Potenciais evocados (auditivo, sômato-sensitivo e visual) 4;

f)        RM: A ressonância magnética permite verificar a presença de lesões de difícil visualização à tomografia computadorizada, como hematomas subdurais, além de definir melhor a presença de edema. Entretanto, é um exame prolongado, o que dificulta a sua realização de rotina em pacientes com TCE 8;

g)      Monitorização da pressão intracraniana: a partir da análise da pressão liquórica subaracnóidea ou intraventricular, através da utilização de parafusos ou catéteres conectados a transdutores pressóricos e a instrumentos de medida e de registro 4.
 

TRATAMENTO

A abordagem do paciente com TCE é realizada em 3 fases 4:

a)      Atendimento correto no local do acidente e remoção adequada ao hospital;

b)      Atendimento inicial na sala de emergência para avaliação diagnóstica e terapêutica com a finalidade de reanimação e estabilização da função ventilatória e de estabilização hemodinâmica do paciente;

c)      Tratamento clínico e/ou cirúrgico com medidas de suporte básico (suporte respiratório, hemodinâmico, hidroeletrolítico, nutricional) e específico. O suporte respiratório é importante pois estes pacientes perdem os reflexos faríngeo, laríngeo e traqueal levando a obstrução mecânica da vias aéreas diminuindo o volume corrente, hipóxia e hipercapnia. Principais alterações respiratórias são alteração do ritmo respiratório, edema pulmonar neurogênico, pneumonia aspirativa. Finalidade do suporte respiratório é evitar hipoxemia mantendo pO2 entre 60 a 100 mmHg e evitar a retenção de CO2 que leva a vasodilatação e conseqüente aumento do volume sangüíneo intracerebral e elevação da pressão intracraniana.

Dentro de suporte específico estão:

a)      Controle de pressão intracraniana: decúbito elevado de 30° e cabeça em posição neutra (facilita a drenagem venosa e com isso diminui a PIC; a cabeça na posição neutra não comprime as jugulares), hiperventilação e pressão intracraniana (a hiperventilação causa redução aguda da pCO2. A hipocapnia causa diminuição do fluxo sangüíneo cerebral no tecido normal e a alcalose ajuda a reverter a acidose tecidual nas regiões perilesionais), drogas (diuréticos, corticoesteróides).

b)      Manutenção da pressão de perfusão cerebral a todos os tecidos. PPC=PAM-PIC. Em todo paciente com TCE que apresenta HIC deve-se manter a pressão arterial média moderadamente elevada, pois se a pressão de perfusão cerebral for menor que 60mmHg ocorre perda do mecanismo da auto-regulação cerebral e o leito vascular fica totalmente passivo em relação às variações pressóricas.

c)      Tratamento das fístulas liquóricas e Infecções do SNC: osteomielites do crânio, abscessos intracerebrais, meningites e tromboflebites dos seios durais são as Infecções mais comuns.
 

CONDUTA FISIOTERAPÊUTICA 10

            Grande parte dos TCE (95%) é descrita como de pouca gravidade, coma < 6 horas e APT < 24 horas. Os restante 5% de TCE podem ser descritos como graves e, como tal, apresentam algumas áreas específicas de problemas, a saber:

a)      Incapacidade física;

b)      Dependência nas AVD´S;

c)      Deficiência cognitiva;

d)      Distúrbio comportamental;

e)      Problemas emocionais;

f)        Problemas psiquiátricos.

 

Conduta fisioterapêutica inicial

a)      Enfatiza a promoção de boa função respiratória e a prevenção de contraturas, e tratará as conseqüências da espasticidade e as anormalidades de movimento e de tônus muscular.

b)      A fisioterapia respiratória visa evitar a produção de secreções, possível infecção e insuficiência respiratória, e ampliar a oxigenação do cérebro. Nesta fase, o paciente deve ser manipulado adequadamente, evitando-se a superestimulação, e o posicionamento na cama. Os exercícios de ADM devem ser realizados diariamente e devem-se aplicar gesso em série, talvez combinados com bloqueios de nervos periféricos ou com injeções de toxina botulínica.

 
Conduta fisioterapêutica a longo prazo depois de lesão cefálica grave

Os objetivos desse programa são limitar as complicações secundárias, enquanto se maximiza toda e qualquer habilidade remanescente.

Complicações

a)      Contraturas que produzem deformidade postural fixa;

b)      Úlcera de decúbito;

c)      Habilidade mascarada, isto é, a habilidade que não pode ser utilizada devido à dominância de sinais neurológicos positivos, como espasticidade;

d)      Cansaço, desconforto;

e)      Potencial para confinamento ao leito.


Avaliação fisioterápica

Identificar os problemas, estabelecer metas e implementar o atendimento apropriado. A seguir, uma sugestão de formulário, dividido em três partes:

QUADRO 2: Formulário para avaliação fisioterápica

INFORMAÇÕES GERAIS

FATORES NEGATIVOS – AVALIAÇÃO ESTÁTICA

FATORES POSITIVOS – AVALIAÇÃO DINÂMICA

Visão

Postura preferida

Capacidade postural – avaliação em decúbito, sentado e em posição ortostática

Audição

Padrão de deformidade

Habilidade motora – também avaliada em decúbito, sentado e em posição ortostática

Compreensão

Contratura articular

Modo de transferência, por exemplo, erguer-se/levantar-se, transferência em posição ortostática

Fala/comunicação

Fenômenos de liberação neurológica

 

Comportamento

Reações neurológicas

 

Complicações ortopédicas

Estado respiratório

 

Sensação

Úlceras de decúbito

 

Perfil dos fármacos utilizados

Posicionamento na cadeira de rodas

 

Apoio dos familiares

Posicionamento no leito

 

 

A partir dos fatores positivos e negativos é possível identificar problemas que exigem intervenção específica, estabelecer objetivos a curto e longo prazo para o paciente, para determinar as necessidade de conduta fisioterapêutica e para implementar um plano de atendimento.
 

Plano de atendimento

Controle de postura em decúbito, sentado e posição ortostática:

a)      Em decúbito: muitos pacientes apresentam posturas assimétricas e descerebradas e são incapazes de aceitar a sustentação da superfície do leito. Isso ocasiona carga desigual no leito. A postura pode ser modificada com apoio adicional (travesseiros, rolos de espuma, calços em forma de cunha), que proporcionam estabilidade aos segmentos do corpo.

b)      Sentado: os pacientes normalmente não ficam sentados adequadamente e com segurança nas cadeiras de roda. A base de sustentação deve ser aumentada, dando-se apoio apropriado para o tronco, de modo a mantê-lo alinhado sobre a base. A cadeira de rodas imprópria pode exacerbar os problemas físicos do paciente. Existem três padrões posturais típicos ao sentar: postura em “C” (afundamento, cifótico), postura arqueada (corpo fica arqueado para trás, a partir do cóccix, com lordose lombar exagerada. MMII tendem a flexão e os MMSS a extensão), postura assimétrica (MMII podem ficar desviados, a pelve fica inclinada e sofre rotação e o tronco e a parte lateral da cabeça, flexionados e rotados).

c)      Postura ortostática: é atingida pela sustentação mecânica de uma prancha inclinada, na qual a ADM articular dos MMII torna esse procedimento seguro e estável.

Manutenção da amplitude de movimento nas articulações. A ADM reduzida contribui a contraturas, as posturas assimétricas e para posição instável. Consegue-se através de alongamento passivo-lento, alongamento manual utilizando o efeito da gravidade e do peso corporal ou mecanicamente em aparelhos ou talas e o engessamento em série. Se não for efetivo, intervenção cirúrgica, isto é, tenotomia.

Cuidados respiratórios, pois o paciente apresenta excursão pulmonar limitada em virtude da perda de função dos músculos respiratórios e ao controle postural deficitário, e isso predispõe à infecção torácica. Técnicas: drenagem postural, reeducação postural para melhor entrada de ar, ensinar tosse produtiva, exercícios respiratórios.

Reforço das habilidades remanescentes, estimulando o interesse em uma tarefa, introduzindo um elemento de competição e a repetição freqüente, pode ampliar o desempenho mesmo nas tarefas mais simples. As atividades de lazer, como nadar, devem ser incentivadas, assim como as atividades na cadeira de rodas, como arco flecha e tênis de mesa. As atividades sociais também são importantes, por exemplo, freqüentar eventos esportivos ou teatros.

O objetivo global do programa de tratamento é assegurar que o paciente desfrute de uma melhor qualidade de vida possível, em termos de bem-estar geral e controle das complicações secundárias, ao mesmo tempo em que explora a independência total que lhe é permitida.

Abordagens fisioterápicas

Pode-se empregar aspectos da abordagem de Bobath, reaprendizado motor, de Hare e outras. As técnicas fisioterápicas específicas usadas são aplicação de frio, calor e as técnicas relacionadas com o tratamento da espasticidade.

As técnicas de Bobath: visam a normalização do tônus nos membros afetados, por meio de técnicas e posturas inibitórias e pela facilitação do movimento correto, por manipulação do fisioterapeuta 2.

A facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNP) é uma filosofia de tratamento, onde todo o ser humano, incluindo aqueles portadores de deficiências, tem um potencial ainda não explorado, utilizando para isso procedimentos básicos de facilitação para ajudar o paciente a atingir uma função motora mais eficiente 1.
 

ESTÁGIOS DE RECUPERAÇÃO DO TCE 5

            A recuperação do TCE freqüentemente tem forma variável e complexa. E para facilitar a comunicação entre as diferentes especialidades, foram desenvolvidas escalas de recuperação. As diferentes escalas de pontuação descrevem basicamente os estágios de recuperação observados imediatamente ao traumatismo e durante a fase aguda da recuperação.

Escala de coma de Glasgow

Avalia o nível de consciência do paciente, permitindo que os clínicos pontuem a gravidade da lesão, e monitorem a recuperação do paciente desde o estado inconsciente, até o estado consciente. Esta escala pontua três tipos de respostas: abertura do olho, melhores respostas motoras, e resposta verbal.

A abertura do olho é observada e pontuada conforme ocorra espontaneamente em resposta à fala, à dor, ou se não abre o olho absolutamente.

Dentro da categoria motora, usa-se uma escala de 0 a 6. Um paciente que pode obedecer comandos motores receberá a maior pontuação (6). Para os pacientes que não podem responder a instruções, um estímulo doloroso é aplicado aos leitos das unhas, ou à região supraorbitária. Se a mão movimenta no sentido do estímulo doloroso, a resposta é pontuada como localizante (5 pontos). Um paciente que demonstra uma resposta de retirada a partir de um estímulo receberá uma pontuação de 4. Respostas em qualquer destas três categorias principais são indicativas de tratos descendentes intactos. A postura flexora anormal é uma resposta de decorticação caracterizada por uma flexão dos braços e das pernas. Recebe uma pontuação de 2, e indica um nível funcional de lesão entre o córtex e o núcleo rubro. A postura extensora anormal de todos os quatro membros representa descerebração, recebendo pontuação 1. O nível funcional da lesão situa-se entre o núcleo rubro e núcleos vestibulares. Ausência de lesão abaixo dos núcleos vestibulares.

A fala do paciente é classificada da seguinte maneira: normal com conversação orientada, palavras confusas, inadequadas, sons (grunhidos e gemidos) ou nenhuma vocalização.

Esta escala vai de 3 a 15, onde 90% dos pacientes com uma pontuação de 8 ou menos estão em coma (incapazes de abrir os olhos, de fazer qualquer som reconhecível, ou seguir qualquer comando), enquanto que todos os pacientes com uma pontuação de 9 ou mais estão fora de coma.
 

QUADRO 3: Escala de coma de Glasgow

Resposta verbal

 

Nenhuma -------------------------------------1

Sons incompreensíveis ---------------------2

Palavras inadequadas -----------------------3

Confuso ---------------------------------------4

Orientado -------------------------------------5

 

Abertura ocular

Nenhuma ------------------------------------- 1

À dor -----------------------------------------  2

À fala ----------------------------------------- 3

Espontaneamente ----------------------------4

 

Resposta motora

Nenhuma ------------------------------------- 1

Extensão anormal ----------------------------2

Flexão anormal -------------------------------3

Retirada ---------------------------------------4

Localiza ---------------------------------------5

Obedece ---------------------------------------6

Total: soma dos três componentes

Escala de medição da locomoção independente funcional (FIM)

A FIM mesura a evolução da locomoção em relação à marcha ao subir e descer escadas, sendo um valioso instrumento para avaliar a recuperação da locomoção, em pacientes com lesões cerebrais traumáticas ou não.
 

QUADRO 4: FIM

LOCOMOÇÃO – MARCHA

SEM AJUDANTE

AJUDANTE

7 – Independência completa: paciente caminha com segurança uma distância mínima de 50 metros sem qualquer auxílio.

4 – Auxílio com contato mínimo: paciente executa 75% ou mais dos esforços da locomoção para percorrer ao menos 50 metros.

6 – Independência modificada: paciente caminha uma distância mínima de 50 metros, mas usa órteses ou próteses, muletas ou um andador, demora mais tempo que o necessário ou há considerações de segurança.

3 – Auxílio moderado: paciente executa de 50 a 74% dos esforços da locomoção necessários para percorrer ao menos 50 metros.

5 – Paciente caminha independentemente distâncias breves ( mínimo de 17 metros), com ou sem dispositivos. Paciente requer supervisão, indicações ou estímulos para percorrer pelo menos 50 metros.

2 – Auxílio máximo: paciente executa 25 a 49% dos esforços da locomoção necessários para percorrer ao menos 17 metros. Necessita auxílio de somente uma pessoa.

 

1 – Auxílio total: paciente executa menos de 24% dos esforços, ou requer auxílio de duas pessoas ou não caminha.

ESCADAS

SEM AJUDANTE

COM AJUDANTE

7 – Independência completa: paciente sobe e desce com segurança ao menos um nível de escadas (12 a 14 degraus), sem depender de corrimão ou qualquer tipo de apoio.

4 – Auxílio com contato mínimo: paciente executa 75% ou mais dos esforços necessários para subir  e descer  um nível de escada.

6 – Independência modificada: paciente sobe e desce ao menos um nível de escada, mas necessita de  apoio lateral, corrimão ou muletas, demora mais tempo que o necessário ou há considerações de segurança.

3 – Auxílio moderado: paciente executa de 50 a 74% dos esforços necessários para subir e descer um nível de escada.

5 – Paciente sobe e desce 4 a 6 degraus independentemente com ou sem dispositivos. Demora mais tempo que o necessário ou há considerações de segurança. Paciente requer supervisão ou que lhe forneça indicações para subir ou descer um nível de escada.

2 – Auxílio máximo: paciente executa 25 a 49% dos esforços necessários para subir e descer  4 a 6 degraus. Necessita de auxílio de somente uma pessoa.

 

1 – Auxílio total: paciente executa menos de 25% dos esforços, ou requer auxílio de duas pessoas, ou não sobe  e desce 4 a 6 degraus ou é carregado. Adaptação: a locomoção em cadeiras de rodas não foi considerada.


CONCLUSÃO

            Com base nos achados bibliográficos, o TCE pode ser classificado em três categorias: leve, moderado e grave. No grau leve o paciente pode apresentar-se consciente, confuso e levemente sonolento, porém desperta-se após estímulos apropriados. Nos casos graves a vítima do traumatismo apresenta-se em coma, sem abertura ocular. Os casos intermediários são classificados como moderados. Apesar da alta incidência de traumatismo craniano, felizmente, tanto nas incidências americanas quanto nas nacionais, a grande maioria (50 a 75%) são considerados leves, não apresentando o paciente qualquer sinal ou sintoma de lesão neurológica, de fratura craniana ou trauma cerebral. Estes pacientes recebem então alta hospitalar orientações de como proceder se sinais de complicações tardias ao traumatismo aparecerem.

            Os pacientes vítimas de TCE com Escala de Glasgow menor ou igual a 8, são classificados como TCE grave e são os que apresentam piores prognósticos em relação à sobrevida e à recuperação. Muitos apresentarão HIC o que inibe os médicos a indicarem a fisioterapia motora, realizando apenas a respiratória. No entanto, o decúbito dorsal prolongado predispõem à atividade reflexa anormal, devido à influência dos reflexos tônicos cervicais e labirínticos; enquanto a imobilidade no leito predispõem à rigidez articular, aderências capsulares, trombose venosa, pneumonias, ossificação heterotópica e miosite ossificante. A fisioterapia deve ser realizada sem maiores complicações, desde que se evite manobras que aumentem a pressão intratorácica,  que dificultem o retorno venoso cerebral. Portanto, não há motivos para permitir que qualquer paciente permaneça estático no leito ou que não seja colocado em decúbito lateral. Para isto, basta manter a coluna cervical alinhada, sem compressões sobre a jugular, que a drenagem venosa cerebral se dará normalmente, sem repercussões sobre a PIC. O posicionamento em decúbito lateral sobre o lado afetado, reduz a espasticidade. É essencial que qualquer vítima de lesão cerebral seja colocado em postura ortostática o mais precoce possível, mesmo que ainda esteja inconsciente. O ortostatismo apresenta os seguintes benefícios: redução da ocorrência de contraturas, redução da espasticidade em membros inferiores, redução dos períodos de inconsciência, menor temor ao deambular, melhora da circulação, diminui escaras, melhora da função da bexiga e do desempenho motor em tarefas do dia-a-dia 5.

A fisioterapia motora precoce deve ser realizada em todos os pacientes vítimas de TCE, mesmo nos que se encontram na fase aguda e com HIC, bastando apenas usar o bom senso, para não elevar a PIC de forma significativa. A fisioterapia motora mostra-se essencial e indispensável desde a terapia intensiva até a alta hospitalar para que se possa ter uma plena recuperação e retorno às atividades.

Conclui-se que a prevenção é o principal artifício utilizado para redução do alto índice de mortalidade e morbidade deixado por tal trauma através de programas e campanhas de prevenção de acidentes direcionados principalmente às suas principais vítimas: crianças e adultos jovens.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1 ADLER, Susan S. et al. PNF: Facilitação neuromuscular proprioceptiva. Manole. São Paulo: 1999.

2 DAVIES, Patrícia M. Passos a Seguir: um manual para o tratamento da hemiplegia no adulto. Manole. São Paulo: 1996.

3 GREENBERG, David A. et al. Neurologia Clínica. Artes Médicas Sul Ltda. Porto Alegre: 1996.

4 NITRINI, Ricardo; BACHESCHI, Luiz A. A Neurologia que todos médico deve saber. Maltese: 1993.

5 PECLAT, Karine C. Traumatismo Cranioencefálico. Disponível em: http://www.wgate.com.br/conteudo/medicinaesaude/fisioterapia/variedades/
trauma_cranio.htm.
Acesso em: 13 mai 2004.

6 PRADO, Ana Lúcia C. Trauma Crâneo Encefálico (TCE). Disponível em: <http://www.alucianeuro.hpg.ig.com.br/trauma.htm>. Acesso em: 21 mai 2004.

7 ROWLAND, Lewis P. Merritt: Tratado de Neurologia. 9. ed. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro: 1997. 

8 SARAH. Traumatismo Cranioencefálico. Disponível em: <http://ww.sarah.br/paginas/

doencas/po/ p_07_traumatismo_cranioence.htm>. Acesso em: 12 mai. 2004.

9 SMITH, Susan S.; WINKLER, Patrícia A. Traumatismos Cranianos. In UMPHRED, Darcy Ann. Fisioterapia Neurológica. 2.ed. São Paulo: Manole, 1994. 

10 STOKES, Maria. Neurologia para fisioterapeutas. Premier. São Paulo: 2000.

 

Obs.:
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- Publicado em 27/09/05

 


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