INTRODUÇÃO
O tecido ósseo é metabolicamente ativo e sofre um processo contínuo de
renovação e remodelação. Esta atividade é conseqüência, em sua maior parte, da
atividade de dois tipos celulares principais, característicos do tecido ósseo:
os osteoblastos e os osteoclastos. Um terceiro tipo celular, os osteócitos,
derivados dos osteoblastos, são metabolicamente menos ativos, e sua função
menos conhecida. O processo de remodelação óssea se desenvolve com base em
dois processos antagônicos mas acoplados: a formação e a reabsorção ósseas. O
acoplamento dos dois processos permite a renovação e remodelação ósseas e é
mantido a longo prazo por um complexo sistema de controle que inclui
hormônios, fatores físicos e fatores humorais locais. Uma série de condições
como idade, doenças ósteo-metabólicas, mobilidade diminuída, ação de algumas
drogas, etc., podem alterar este equilíbrio entre formação e reabsorção,
levando ao predomínio de um sobre o outro.
Os dois principais tipos de tecido ósseo são o trabecular, uma estrutura de
aspecto esponjoso; e o cortical, mais sólido e formado por lamelas ósseas.
Além das diferenças estruturais, os dois tipos diferem também quanto a outros
aspectos como a distribuição espacial das células, densidade da matriz
mineralizada, distribuição dos vasos sangüíneos e área ocupada pela medula
óssea. Em ambos, os osteoblastos e osteoclastos movem-se sobre a superfície,
sendo que os osteoblastos podem tornar-se embebidos na matriz, dando origem
aos osteócitos. Em função de sua maior superfície em relação ao volume, o osso
trabecular é metabolicamente mais ativo que o cortical.
O uso de marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo na prática clínica tem se
expandido de maneira considerável. Isto se deve ao surgimento de novos métodos
e de um melhor conhecimento sobre a fisiopatologia das doenças
ósteo-metabólicas, em especial a osteoporose. Os marcadores podem ser
divididos em marcadores de formação, que refletem a atividade dos
osteoblastos, e os de reabsorção, que refletem a atividade dos osteoclastos.
Dentre os primeiros destacam-se a fosfatase alcalina óssea e a osteocalcina, e
dentre os últimos os fragmentos derivados da reabsorção do colágeno, como as
piridino-linas e os telopeptídeos carboxi e amino terminais. Além das
aplicações já consagradas, como o diagnóstico e acompanhamento de patologias
com importantes repercussões ósseas como a doença de Paget, o
hiperparatiroidismo primário e outras, novas aplicações têm sido estudadas.
Dentre estas, a que mais parece fundamentada é o acompanhamento do efeito de
terapêutica específica no tratamento da osteoporose; a curto prazo, 1 a 3
meses, é possível a verificação da eficácia terapêutica, fato só possível com
densitometria óssea após 1 a 2 anos. Novos métodos, em especial para a medida
de marcadores de reabsorção no soro, devem tornar ainda mais abrangente a
aplicação destes ensaios. (Arq Bras Endocrinol Metab 1999; 43/6: 415-422)
Unitermos: Marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo, marcadores de
formação óssea e reabsorção óssea
CONCEITO
A osteocalcina é um peptídeo secretado pelos osteoblastos maduros, condrócitos
hipertrofiados e odontoblastos. Apesar de ser primariamente depositada na
matriz óssea recém formada, uma pequena fração entra em circulação,
caracterizando esta proteína como marcador da atividade osteoblástica. Apesar
de ser depositada em quantidades significativas na matriz óssea, sendo uma das
proteínas não-colágenas mais abundantes, não é um marcador de reabsorção óssea
pois é totalmente destruída quando da reabsorção promovida pelos osteoclastos.
A osteocalcina é constituída por 49 amino ácidos, sendo três (posições 17, 21
e 24) constituídos por ácido gama-carboxiglutâmico (Gla), o que lhe dá a
peculiaridade de ligar cálcio. A função ou funções da osteocalcina são ainda
mal definidas, apesar de sua estrutura indicar interação com cálcio e com
cristais de hidroxiapatita. Adicionalmente, estudos indicam que o aparecimento
e aumento de produção da proteína são coincidentes com o início do processo de
mineralização (15). A produção de osteocalcina é um marcador do osteoblasto
maduro (15). Outros estudos, in vitro e in vivo, sugerem que a osteocalcina
tenha importante papel no recrutamento e diferenciação dos osteoclastos (16).
A osteocalcina circula em diferentes formas moleculares, que incluem a forma
intacta 1-49 (36%), um fragmento amino-terminal grande 1-43 (40%) e fragmentos
menores (aa 1-19, 20-43, 29-49, 34%) (17). A excreção destes diferentes
peptídeos depende da integridade da função renal, de maneira que mesmo
pequenas disfunções renais podem levar a aumentos diferenciados das diferentes
formas circulantes. O fato de várias formas de osteocalcina serem encontradas
normalmente no soro e da metabolização de algumas ser dependente da
integridade da função renal, torna mais complexa a interpretação dos
resultados obtidos pelos diferentes métodos de medida de osteocalcina sérica.
Esta é uma razão pela qual os estudos comparativos entre métodos
radioimunológicos mostraram diferenças significativas entre eles, diferenças
estas independentes do padrão de referência empregado (18). O desenvolvimento
de ensaios imunométricos baseados em anticorpos monoclonais tornou os
resultados das dosagens com diferentes métodos mais comparáveis (19,20). No
entanto, a interpretação dos níveis de osteocalcina deve levar em consideração
uma série de fatores: desde a metodologia empregada até as condições de
coleta, pois o peptídeo é susceptível a proteólise e deve ser coletado e
manipulado com cuidados especiais para evitar a degradação. Adicionalmente, os
níveis de osteocalcina também observam ritmo circadiano, com valores
decrescentes durante a manhã, elevando-se lentamente à tarde e atingindo o
pico em torno de meia noite (21). Uma observação adicional, e que comprova o
fato de que a osteocalcina mede atividade osteoblástica em estágio diferente
da medida pela fosfatase alcalina óssea, é o fato da correlação entre as duas
medidas ser bastante baixa (22).
CLASSIFICAÇÃO
O USO DE MÉTODOS LABORATORIAIS QUE PERMITAM a avaliação do metabolismo ósseo
de uma maneira confiável, rápida e prática tem sido um objetivo de há muito
almejado pelos pesquisadores que atuam nessa área. O tecido ósseo apresenta
uma série de características muito peculiares, dentre elas a grande extensão e
distribuição, e a presença de cristais radiopacos. Estes últimos propiciam o
exame do esqueleto de uma maneira muito simples, através do emprego de
técnicas de absorção de raio-X, quer qualitativas (raio-X simples), quer
quantitativas (densitometria óssea ou tomografia quantitativa). No entanto, os
fenômenos metabólicos, fisiológicos ou patológicos, que podem atingir o tecido
ósseo só afetam significativamente sua estrutura radiopaca após um lapso de
tempo considerável. Isto torna o emprego destas técnicas limitado para o
estudo mais dinâmico, e a curto prazo, do metabolismo ósseo. Daí o interesse
sobre metodologias que possam quantificar substâncias que poderiam representar
os processos metabólicos em curso no tecido.
OS MARCADORES BIOQUÍMICOS DO METABOLISMO ÓSSEO são empregados na prática
clínica há muitas décadas, em especial o estudo da fosfatase alcalina total
sérica, a calciúria e a hidroxiprolinúria. A falta de especificidade destes
marcadores tradicionais levou seu uso a ser restrito ao estudo de patologias
ósseas onde as alterações são muito marcadas, como, por exemplo, a doença de
Paget. Avanços recentes no isolamento e caracterização das células e dos
componentes extracelulares da matriz óssea, resultaram no desenvolvimento de
métodos para a medida sérica ou urinária de novos marcadores bioquímicos do
metabolismo ósseo. Podemos definir marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo
como substâncias que retratam a formação ou a reabsorção ósseas. Como a
formação é dependente da ação dos osteoblastos, os marcadores de formação, na
realidade, medem produtos decorrentes da ação destas células; da mesma
maneira, os marcadores de reabsorção medem a ação dos osteoclastos, o
principal tipo celular envolvido na reabsorção da matriz óssea.
Consequentemente, no caso dos marcadores de formação, são todos eles fruto de
síntese osteoblástica, enquanto os de reabsorção são produto da atuação do
osteoclasto sobre a matriz óssea.
Normalmente, como o processo de formação é estreitamente ligado ao de
reabsorção, um marcador que reflete reabsorção também reflete formação; isto
quando o tecido ósseo está em equilíbrio, como durante o intervalo entre a
terceira e quinta décadas de vida. Durante o período de vida adulta, a
atividade metabólica óssea, e consequentemente os níveis dos marcadores,
tendem a ser mais baixos que os observados na infância e adolescência (1). Se
bem que não plenamente documentado, poderíamos esperar que os marcadores de
formação óssea fossem proporcionalmente mais elevados durante a infância e
adolescência do que os de reabsorção. Durante a gravidez e lactação, o
metabolismo ósseo também é mais acelerado, resultando em aumento dos níveis
dos marcadores de formação e reabsorção (2). Após a menopausa, os marcadores
também tendem a se elevar, com os marcadores de reabsorção apresentando um
incremento maior que os de formação (3). Diferentemente, os níveis de
marcadores permanecem estáveis no sexo masculino até a oitava década de vida
(4).
Doenças ósseas alteram o padrão de produção dos marcadores bioquímicos.
Doenças que levam a osteopenia tendem a aumentar a relação entre os marcadores
de reabsorção e os de formação, como parece ser o caso na osteoporose (3). Por
outro lado, em condições patológicas como a osteopetrose, espera-se um
incremento maior dos marcadores de formação. Além disto, os marcadores de
formação óssea atualmente em uso refletem a atividade osteoblástica em
diferentes estágios de diferenciação deste tipo celular. Durante a formação do
osso, a produção da matriz colágena precede a mineralização. A fase de
produção de matriz colágena coincide com uma maior produção de fosfatase
alcalina, enquanto a mineralização coincide com uma maior produção de
osteocalcina (5). Em função disto, doenças que alteram a diferenciação
osteoblástica tendem a alterar a relação entre os marcadores de formação. Tal
fenômeno pode ser observado na doença de Paget, onde o aumento dos níveis de
fosfatase alcalina óssea é proporcionalmente bem maior que os de osteocalcina,
sugerindo uma alteração na diferenciação dos osteoblastos (6). Os estados de
deficiência de vitamina D também são caracterizados por uma alteração na
diferenciação dos osteoblastos, daí o desproporcional aumento dos níveis de
fosfatase alcalina encontrados na osteomalácia (7).
COMENTÁRIOS GERAIS SOBRE OS MARCADORES BIOQUÍMICOS DE METABOLISMO ÓSSEO
ATUALMENTE EM USO. Os principais marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo
atualmente em uso estão listados na tabela 1, divididos entre os que refletem
formação e os que refletem reabsorção. O número de marcadores já descritos é
evidentemente maior; no entanto, nos preocupamos em listar apenas aqueles que
apresentam um real interesse prático, com comprovação recente de aplicação
clínica. É interessante notar que com as metodologias atualmente disponíveis,
os marcadores de formação são todos medidos no soro, enquanto que os de
reabsorção em amostras de urina (com exceção dos pouco empregados telopeptídeo
carboxiterminal do procolágeno tipo 1, e da fosfatase ácida tartrato
resistente). Isto faz com que os marcadores de formação apresentem coleta mais
conveniente, além de não necessitarem de medidas adicionais de creatinina para
correção. Estas características também têm influência na reprodutibilidade dos
métodos, desde que quando medimos a creatinina estamos acrescentando o erro
intrínseco de mais uma determinação bioquímica. Em conseqüência, os marcadores
de reabsorção apresentam uma maior variabilidade de dia para dia, podendo
variar em até 30% num mesmo indivíduo em condições basais (8). Logo, para que
variações induzidas pela introdução de terapêutica específica tenham
significado, são necessárias variações acima desses limites. Outros fatores
podem também interferir nos níveis dos marcadores bioquímicos do metabolismo
ósseo, independentemente de alterações na remodelação de longa duração. Assim,
a remodelação óssea apresenta um ritmo circadiano, com maiores níveis durante
a noite (9). Em função disto, a primeira urina da manhã reflete o pico de
reabsorção óssea, e apresentará valores seguramente mais altos que uma amostra
colhida em outra horário. Quanto aos marcadores séricos de formação, um
aspecto importante a considerar na indicação e interpretação dos valores é a
significativa diferença de meia-vida biológica entre fosfatase alcalina óssea
(em torno de 1,6 dias) e osteocalcina (menos de l hora). Logo, fenômenos
agudos são melhor representados pelos níveis de osteocalcina, enquanto os
níveis de fosfatase alcalina óssea são mais estáveis e reprodutíveis.
Adicionalmente, os níveis de marcadores bioquímicos, principalmente os de
formação, variam ao longo do ciclo menstrual, sendo mais elevados durante a
fase lútea, comparativamente à fase folicular (10). Alterações importantes de
função renal também podem interferir significativamente no metabolismo e
excreção dos marcadores bioquímicos, principalmente da osteocalcina. Em função
de todos os aspectos discutidos, a interpretação correta de valores de
marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo requer conhecimento das condições
de coleta da amostra, bem como da condição geral do paciente.

MARCADORES DE FORMAÇÃO ÓSSEA. Fosfatase Alcalina Óssea - Esta enzima é
codificada pelo gene, tecido não-específico, A1P, localizado no cromossoma 1.
A isoenzima óssea é um peptídeo de 507 amino ácidos, cuja seqüência é
exatamente igual à da isoenzima hepática; a diferença entre elas se dá na
glicosilação, um fenômeno pós-tradução. Em condições normais, as duas formas
predominantes em circulação (>90% do total) de fosfatase alcalina, são a óssea
e a hepática, em quantidades equivalentes. A outra forma circulante, em
concentrações significativas, é a forma intestinal, que representa menos de 5%
do total. A fosfatase alcalina é uma ectoenzima, ou seja, está localizada na
superfície externa da célula onde exerce sua atividade. Quando ancorada na
superfície celular, a enzima está na forma de um tetrâmero, sendo que quando
liberada para a circulação, por ação das fosfolipases C e D, o é na forma
dimérica. No caso da isoenzima óssea, a atividade e a importância da enzima na
formação e mineralização da matriz óssea ainda é mal definida. As alterações
encontradas na hipofosfatasia, doença devida a uma mutação no gene codificador
da enzima, predominantemente osteomalácia, sugerem fortemente que a enzima
tenha papel fundamental na mineralização.
Durante muitas décadas, a medida da atividade total de fosfatase alcalina foi
a base do estudo de patologias tanto ósseas como hepáticas, partindo-se do
pressuposto de que o aumento da atividade total seria devida à isoenzima
específica da patologia. Em linhas gerais, este raciocínio é válido
principalmente naquelas patologias onde existe um incremento significativo,
como a doença de Paget ou doenças obstrutivas hepáticas. No entanto, nas
condições em que se espera uma alteração muitas vezes sutil dos níveis séricos,
torna-se óbvia a perda de sensibilidade e especificidade da dosagem da
atividade total da fosfatase alcalina. Inúmeros métodos foram descritos com o
intuito de separar a atividade das duas isoenzimas, sendo os mais empregados a
inativação térmica e a precipitação específica com lectinas (11). Com a
descrição recente de anticorpos monoclonais específicos para a enzima óssea
(12), alguns métodos específicos foram descritos, dos quais dois merecem maior
atenção, um baseado na captura específica da enzima e posterior revelação por
sua atividade enzimática intrínseca (13), e outro um ensaio imunométrico de
dupla identificação (14). A reatividade cruzada com fosfatase alcalina
hepática é, nos dois métodos, em torno de 15% e não existem estudos que
mostrem superioridade de um método sobre outro. Um aspecto relativo ao uso e
interpretação dos valores de fosfatase alcalina óssea é o fato de que eles não
aumentam exclusivamente com o aumento da formação óssea, mas também na
osteomalácia. Esta observação torna a enzima um ótimo marcador para o
acompanhamento do tratamento da osteomalácia com vitamina D.
MARCADORES DE REABSORCÃO ÓSSEA. Hidroxiprolina - A excreção urinária de
hidroxiprolina é um marcador clássico da reabsorção óssea, tendo sido usado
durante décadas em pesquisa e diagnóstico. No entanto, o fato da
hidroxiprolina não ser limitada ao osso, nem mesmo ao colágeno, contribuiu
muito para o seu gradual abandono como exame de referência. De fato, o
componente Clq do complemento é rico em hidroxiprolina e pode contribuir com
até 40% do total excretado; além disto, a excreção é dependente da dieta,
desde que alguns alimentos comuns (que contenham gelatina) podem contribuir
significativamente para o pool de amino ácido excretado (17). Desta maneira,
com o desenvolvimento dos métodos mais específicos para avaliação da
reabsorção óssea, a medida de hidroxiprolina tem sido abandonada.
Interligadores do Colágeno . Durante a maturação do colágeno, as fibrilas
colágenas recém depositadas na matriz extracelular são estabilizadas pela
interligação entre radicais lisina e hidroxilisina de diferentes cadeias.
Assim, por ação da enzima lisil oxidase, moléculas de lisina e hidroxilisina
da porção terminal (telopeptídeos) das moléculas de colágeno formam aldeídos e
se condensam com o resíduo de molécula adjacente formando uma estrutura
interligadora composta de três radicais hidroxilisina (piridinolina) ou uma
lisina e duas hidroxilisinas (deoxipiridinolina). As piridinolinas atuam como
interligadores (cross-links) nos colágenos tipo I, II e III, os principais de
todos os tecidos com exceção da pele (23). As proporções piridinolina:deoxipiridinolina
variam de acordo com o tipo de colágeno, sendo menores no colágeno tipo I.
Estas interligações ocorrem essencialmente em duas regiões da fibrila colágena:
na região amino-terminal, onde dois amino-telopeptídeos se ligam na altura do
resíduo 930 e na região carboxi-terminal, onde dois carboxi-telopeptídeos se
ligam na altura do resíduo 87. O arranjo espacial desta estrutura pode ser
visualizado na figura 1.

Quando os osteoclastos reabsorvem o tecido ósseo, eles o fazem através da
secreção de uma mistura de proteases ácidas e neutras, que agindo
seqüencialmente degradam as fibrilas colágenas em fragmentos de diferentes
tamanhos. Os produtos e degradação que são jogados em circulação variam desde
amino ácidos livres até fragmentos carboxi e amino-terminais contendo
interligadores (C e N-telopeptídeos). Os fragmentos liberados pelos
osteoclastos são adicionalmente metabolizados pelo fígado e rins, de maneira a
resultar em fragmentos suficientemente pequenos para serem excretados pelos
rins por simples filtração glomerular. As piridinolinas, livres ou ligadas a
fragmentos amino ou carboxi-terminais, têm uma série de vantagens sobre a
hidroxiprolina como marcadores de reabsorção óssea. Eles só se originam de
fibrilas colágenas extracelulares e maduras, os peptídeos amino ou
carboxi-terminais têm seqüências características do colágeno de onde se
originaram (ex.: colágeno tipo I), e apesar de estarem presentes na dieta,
aparentemente não são absorvidos. As metodologias existentes para a medida dos
interligadores do colágeno evoluíram bastante nos últimos anos. Os primeiros
métodos descritos que tiveram aplicação prática foram os baseados em técnicas
de Cromatografia Líquida de Alta Performance (HPLC) e medem simultaneamente a
piridinolina e a deoxipiridinolina totais (24,25). Estes métodos implicam em
hidrólise prévia das amostras e se baseiam na detecção das piridinolinas com
base em sua fluorescência natural. Foram aplicados extensivamente, inclusive
em nosso meio (26), e apresentam boa reprodutibilidade. No entanto, são
métodos muito laboriosos, demorados e bastante dispendiosos, daí a procura por
metodologias alternativas, mais rápidas, práticas e baratas. Dentre as
alternativas disponíveis destacaram-se os métodos imunológicos baseados em
anticorpos específicos contra as estruturas dos interligadores. Podemos
classificá-los em três tipos:
a. Os baseados em anticorpos contra as piridinolinas livres (piridinolina
e/ou deoxipiridinolina), comercializados por Metra Biosystems, Palo Alto, CA -
USA;
b. Os baseados em anticorpo que reconhece a seqüência que inclui os
interligadores N-terminais (N-telopeptídeo), comercializado como NTx por Ostex
International Inc., Seattle, WA - USA e J&J Diagnósticos; c.os baseados em
anticorpos dirigidos contra a seqüência que inclui os interligadores
C-terminais (C-telopeptídeo), comercializado como Crosslaps por Osteometer,
Rodrove, Dinamarca.
Uma série de trabalhos têm sido publicados na literatura recente procurando
demonstrar algum tipo de vantagem de uma metodologia em relação a outra. A
análise conjunta dos trabalhos mostra que, se existe superioridade de algum
dos três ensaios em relação aos outros, esta é bastante marginal. Poderíamos
considerar que qualquer um dos três é um bom método para estudar a reabsorção
óssea, sendo os métodos de escolha no momento.
UTILIDADE DOS MARCADORES BIOQUÍMICOS DO METABOLISMO ÓSSEO NO DIAGNÓSTICO E
SEGUIMENTO DE PATOLOGIAS ÓSTEO-METABÓLICAS. O uso dos marcadores bioquímicos
se estende, teoricamente, a qualquer condição que leve a uma alteração do
metabolismo do tecido ósseo, com incremento ou diminuição da remodelação
óssea. Condições de aplicação óbvia dos marcadores são no diagnóstico e
seguimento de patologias ósseas onde são encontradas importantes alterações do
metabolismo ósseo, como na doença de Paget, no raquitismo, no
hiperparatiroidismo primário e outras mais raras. No caso de pacientes com
alterações ósseas induzidas pelo uso de corticosteróides, o emprego da dosagem
de osteocalcina tem indicação precisa desde que é o marcador mais precocemente
alterado. No entanto, começa a se abrir, com os novos métodos mais
específicos, a possibilidade do uso dos novos marcadores em situações clínicas
de muito maior abrangência, como por exemplo, na osteoporose.
Utopicamente, o marcador bioquímico ideal seria aquele que nos permitiria
discriminar qual o paciente que se beneficiaria de tratamento preventivo
contra a osteoporose, e permitiria avaliar precocemente o grau de resposta à
terapêutica introduzida. Quanto ao primeiro item, trabalhos recentes
correlacionam o início da menopausa com aumento significativo dos marcadores
bioquímicos, e que este aumento estaria relacionado com a posterior perda de
massa óssea (27,28). Seria, pois, possível discriminar as pacientes que
evoluiriam com perda óssea aumentada daquelas que apresentariam perda óssea
dentro dos limites normais para a idade e condição hormonal. Neste sentido,
todos os marcadores bioquímicos mostraram-se úteis, com possível vantagem para
os interligadores de colágeno. Vale salientar que os resultados destes
estudos, e de muitos outros (29,30) mostram resultados válidos quando
analisados em conjunto, ou seja, população com perda óssea contra população
sem perda óssea. A transferência dessas informações para o caso individual é
muitas vezes difícil, se não impossível; em outras palavras, o uso dos
marcadores bioquímicos no diagnóstico de osteoporose é, atualmente,
injustificado.
Quanto ao segundo item, ou seja, se os marcadores bioquímicos poderiam servir
como sinalizadores precoces do sucesso ou insucesso de uma determinada
terapia, muitas evidências indicam que sim. A necessidade, neste caso, seria
de um marcador mais precoce de ação terapêutica, desde que os efeitos
retratados por mudanças na densitometria óssea são discerníveis apenas a longo
prazo (mais de um ano). É atualmente consenso que os marcadores bioquímicos
preenchem tal necessidade, independentemente do tipo de terapêutica empregada
(8,31,32). Os marcadores de reabsorção aparentemente respondem mais
rapidamente (1 mês) do que os de formação (3 meses) ao tratamento com
alendronato, mas a informação final é equivalente (8). Tal resposta permite ao
médico assistente uma intervenção precoce na conduta terapêutica, de maneira a
otimizar os resultados sem necessidade de esperar pelas alterações
densitométricas que ocorrerem a longo prazo. Importante salientar que a
variação nos níveis do marcador bioquímico aceitos como significativos
dependem das variações intra-individuais intrínsecas de cada um. Assim, os
marcadores urinados de reabsorção óssea do tipo NTx necessitam de variações
acima de 30% para serem consideradas significantes, enquanto que as variações
dos marcadores séricos de formação podem ser menores, na faixa de 15 a 20%.
PERSPECTIVAS FUTURAS. A evolução no campo de estudo dos marcadores bioquímicos
do metabolismo ósseo deverá se acelerar nos próximos anos por uma série de
razões. A primeira delas tem a ver com o acúmulo de experiência com o emprego
dos marcadores que vem ocorrendo nos últimos anos, além da queda do preço dos
testes e sua maior disponibilidade. Uma série de trabalhos estão sendo
desenvolvidos, especialmente em caracter prospective, o que deverá dar maior
credibilidade e aceitação em relação aos resultados obtidos. Outro aspecto é o
desenvolvimento recente de metodologias para a dosagem de marcadores de
reabsorção em soro e não na urina; como exposto acima, o uso de dosagens
urinadas traz consigo um erro inerente à excreção e à correção com relação à
excreção de creatinina. Finalmente, como tem ocorrido em áreas de intensa
pesquisa, devemos esperar o surgimento de novos e melhores marcadores do
metabolismo ósseo, que mais se aproximem do teste ideal. Isto aceitando que
dispomos atualmente de marcadores que muito se aproximam deste ideal, em
especial os telopeptídeos, apenas que por ignorar princípios básicos do
metabolismo ósseo, muitas vezes queremos obter deles informações que eles
nunca poderão nos dar.
CONCLUSÃO
O uso de marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo na prática clínica tem se
expandido de maneira considerável. Isto se deve ao surgimento de novos métodos
e de um melhor conhecimento sobre a fisiopatologia das doenças
ósteo-metabólicas, em especial a osteoporose. Os marcadores podem ser
divididos em marcadores de formação, que refletem a atividade dos
osteoblastos, e os de reabsorção, que refletem a atividade dos osteoclastos.
Dentre os primeiros destacam-se a fosfatase alcalina óssea e a osteocalcina, e
dentre os últimos os fragmentos derivados da reabsorção do colágeno, como as
piridino-linas e os telopeptídeos carboxi e amino terminais. Além das
aplicações já consagradas, como o diagnóstico e acompanhamento de patologias
com importantes repercussões ósseas como a doença de Paget, o
hiperparatiroidismo primário e outras, novas aplicações têm sido estudadas.
Dentre estas, a que mais parece fundamentada é o acompanhamento do efeito de
terapêutica específica no tratamento da osteoporose; a curto prazo, 1 a 3
meses, é possível a verificação da eficácia terapêutica, fato só possível com
densitometria óssea após 1 a 2 anos. Novos métodos, em especial para a medida
de marcadores de reabsorção no soro, devem tornar ainda mais abrangente a
aplicação destes ensaios.
REFERÊNCIAS
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hydroxy-piridinium cross-links of collagen reflects skeletal growth velocity
in normal children. Exp Clin Endocrinol 1994;102:94-7.
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