Referência  em  FISIOTERAPIA  na  Internet

 www.fisioweb.com.br 


Trabalho realizado por:
- Gabriela Girotto
¹
- Anderson V. Cattelan
²

¹ Acadêmica do 8º nível da fisioterapia da Universidade de Passo Fundo-RS.
² Professor da disciplina de Ortopedia e Traumatologia da Universidade de Passo Fundo-RS.
E-mail: andercatte@upf.br


Luxação Recidivante de Ombro


Resumo

A luxação do ombro foi uma das primeiras patologias a receber atenção na literatura médica. Quando ocorre no jovem, a luxação traumática possui alto risco de recidiva, tornando-se crônica na maioria das vezes. Portanto, trata-se de uma patologia que provoca a incapacidade do paciente e que merece seu devido tratamento, seja ele cirúrgico ou fisioterapêutico. O objetivo de ambos é proporcionar ao paciente uma melhor estabilidade articular e força muscular adequada para desenvolver suas atividade de vida diária e seus esportes de lazer.

Introdução

A articulação glenoumeral é causa de inúmeros traumatismos. Isso porque é uma articulação que apresenta enorme mobilidade, permitindo aos movimentos por ela realizados irem até sua amplitude máxima. Uma patologia muito comum, que acomete principalmente indivíduos jovens, é a luxação do ombro. As formas para o seu tratamento vão depender dos sinais e sintomas deste paciente, podendo ser com correção cirúrgica ou com tratamento fisioterapêutico.


Anatomia da Articulação do Ombro

O complexo da articulação do ombro compõe-se das articulações glenoumeral, acromioclavicular, esternoclavicular e escapulotorácica: estas articulações formam uma cadeia cinética funcional em todas as suas atividades. De todas as articulações do corpo humano o ombro é a que possui maior mobilidade. Todavia, também é a articulação mais sujeita às luxações, entre todas as articulações do corpo. Além disso, a articulação do ombro é sede freqüente de lesões tanto micro como macrotraumáticas; por conseguinte, pode ocorrer neste complexo articular os mais variados traumatismos, desde as fraturas e luxações às lesões dos ligamentos e às falhas do manguito dos rotadores. (GONÇALVES, 1993).

Segundo Gonçalves (1993), a articulação acromioclavicular é formada pela extremidade distal da clavícula e pela margem interna do acrômio, sendo que essas duas superfícies articulares não produzem uma articulação congruente; por isso, a articulação AC é sede freqüente de lesões traumáticas. A articulação esternoclavicular é uma das articulações mais estáveis de todo sistema musculoesquelético, em virtude de sua estrutura ligamentar, que se apresenta com o ligamento costoclavicular, o ligamento interclavicular e o ligamento esternoclavicular.

A articulação escapulotorácica não é uma verdadeira articulação, mas um sistema de deslizamento da superfície interna da escápula com o gradil costal. Ela apresenta movimentos de elevação, depressão, abdução, adução, rotação medial e lateral. (LECH, 2005).

A articulação glenoumeral confere enorme mobilidade, sendo assim muito instável. As superfícies articulares são formadas pela volumosa cabeça do úmero que se articula com a fossa glenóide da escápula, a qual é relativamente pequena e rasa. Por isso, a articulação glenoumeral depende em grande parte das estruturas capsoligamentosas e do sistema neuromuscular para a sua estabilidade funcional, de modo a correr risco de lesão traumática. (GONÇALVES, 1993). Essa estabilidade é dada particularmente pelo ligamento glenoumeral inferior e pelo manguito rotador, que é formado pela confluência dos tendões dos músculos rotadores (supra-espinhal, infra-espinhal, redondo menor e subescapular). O manguito rotador “abraça” a cabeça do úmero e, além de reforçar a cápsula a ele aderente, mantém, dinamicamente, a cabeça do úmero junto à cavidade glenóide. (LECH, 2005).

Os músculos rotadores são também depressores da cabeça do úmero e desaceleradores do membro superior e, juntamente com a subjacente cabeça longa do bíceps, importante estabilizadora anterior, evitam a excursão exagerada da cabeça do úmero durante a ação dos potentes músculos motores primários do ombro (deltóide, peitoral maior, redondo maior e grande dorsal). Dessa forma, os músculos do manguito rotador e a cabeça longa do bíceps são bastante solicitados nas atividades de vida diária e nos esportes. (LECH, 2005).


Instabilidade Glenoumeral

Pacientes com instabilidade glenoumeral são incapazes de manter a cabeça do úmero centrada na fossa glenóide. A instabilidade da articulação glenoumeral é uma afecção extremamente freqüente e é a mais sujeita à luxação.

Os ombros instáveis podem ser divididos em duas categorias: TUBS e AMBRI-considerando se uma lesão foi ou não a causa da instabilidade. TUBS significa traumático, unidirecional, Bankart (para lesão de Bankart) e tratamento cirúrgico. AMBRI refere-se a atraumático, multidirecional, bilateral, reabilitação e inferior (significando reparo capsular inferior) (GONÇALVES, 1993; SNIDER, 2000)


Luxação

Para Gonçalves (1993), a luxação do ombro consiste na separação completa das superfícies articulares, sem possibilidade de reposição espontânea. Na subluxação do ombro também há separação das superfícies articulares, mas a reposição é espontânea, portanto a subluxação é passageira. A subluxação pode ou não acompanhar-se de dor, receio ou incapacidade física. A força necessária para a luxação do ombro depende dos traumas anteriores, de frouxidão dos ligamentos do paciente e das forças envolvidas no traumatismo.

Segundo Lech (1995), a luxação pode ser traumática, causada por força violenta, não-traumática (instabilidade), onde ocorrem episódios de subluxações, sem qualquer fator traumático determinante, ou recidivante, que ocorre nos casos de uma luxação traumática inicial e se caracteriza por novas luxações determinadas por traumatismos de menor intensidade.

A freqüência da instabilidade nos presta informações sobre a natureza da mesma. A instabilidade aguda manifesta-se geralmente por um episódio recente de subluxação ou de luxação. Em seguida a esse episódio agudo, a maioria dos pacientes costuma apresentar acentuado espasmo muscular, defesa muscular aos movimentos do braço e braço mantido rente ao lado do tronco, como se estivesse imobilizado. (GONÇALVES, 1993).

O termo instabilidade recidivante é usado para descrever a instabilidade que se manifesta em várias ocasiões, podendo consistir em episódios repetidos de luxação ou subluxação da articulação glenoumeral, ou de ambas. A subluxação sutil que se instala nesses indivíduos deixa a cápsula do ombro dolorosa e inflamada, em virtude do deslocamento constante da cabeça do úmero. (GONÇALVES, 1993). A grande maioria dos luxadores primários se tornará recidivante, pois o processo de cicatrização do lábio glenoidal dificilmente ocorrerá. (LECH, 2005).

De acordo com Gonçalves (1993), pode instalar-se a lesão de Hill-Sachs nos pacientes que apresentam instabilidade anterior recidivante. Trata-se de uma fratura por impactação que se localiza na face posterior externa da cabeça do úmero, ocorrendo no momento em que a cabeça do úmero, ao entrar em subluxação, é comprimida de encontro à parte anterior do bordo glenoidal.

A subluxação do ombro acontece mais freqüentemente no sexo feminino do que no masculino. Para instabilidades traumáticas, as mulheres apresentam menos que os homens e para as não-traumáticas acontece o contrário. (HERBERT, 2003).


Classificação

As luxações podem ser classificadas de acordo com o sentido em que ocorrem:

1) Luxação escápulo-umeral anterior: ocorre por trauma direto e violento em direção póstero-anterior sobre o ombro, ou por mecanismo de queda ao solo, acompanhado de movimento rotacional. Existe a perda da relação anatômica entre a glenóide e a cabeça do úmero, que se alojará anteriormente, determinado à ruptura do labrum (lesão de Bankart) e dos ligamentos gleno-umerais, que compõem a cápsula articular. (LECH, 1995). Trata-se de uma causa freqüente da instabilidade recidivante. (GONÇALVES, 1993). Essa lesão geralmente é causada por graus variados de forças de abdução, extensão e rotação externa sobre o braço. (LECH, 2005).

2) Luxação escápulo-umeral posterior: pode advir de contração muscular violenta, por choque elétrico ou ataque convulsivo. (LECH, 2005). Pode ocorrer também durante um trauma direto de direção antero-posterior. A cabeça do úmero se alojará na parte posterior da glenóide, havendo ruptura da cápsula articular posterior. (LECH, 1995).

3) Luxação escapulo-umeral inferior: é o resultado de uma força de hiperadução que alavanca o úmero proximal contra o acrômio e para fora da glenóide inferiormente. (LECH, 2005).

4) Luxação escapulo-umeral superior: para ocorrer este tipo de luxação, é necessário que ocorra também a fratura do acrômio e uma provável lesão do manguito rotador. È extremamente rara. (LECH, 1995).

A forma mais freqüente de instabilidade é a anterior. (GONÇALVES, 1993). A queixa mais comum em pacientes com esse tipo de instabilidade é que o ombro desloca quando o braço está numa posição de abdução e rotação externa. A patologia subjacente nos casos de TUBS é a laceração do lábio glenoidal, permitindo que a cabeça do úmero deslize anteriormente. (SNIDER, 2000).

Pode instalar-se a lesão de Hill-Sachs nos pacientes que apresentam instabilidade anterior recidivante. Trata-se de uma fratura por impactação que se localiza na face posterior externa da cabeça do úmero, ocorrendo no momento em que a cabeça do úmero, ao entrar em subluxação, é comprimida de encontro à parte anterior do bordo glenoidal. (GONÇALVES, 1993).


Fisiopatologia

Para Lech (2005), a maioria das luxações agudas glenoumerais no primeiro episódio é resultado de uma lesão importante, tal como poderia ocorrer por um trauma atlético ou uma queda, sendo que 95% das luxações são classificadas como traumáticas.

A luxação recidivante do ombro é a continuidade do processo iniciado pela luxação primária, geralmente de etiologia traumática.


Exame Físico

Tal como a história, o exame físico do ombro com suspeita de instabilidade recorrente é um desafio. Em geral, começa-se procurando evidências de frouxidão ligamentar generalizada como: instabilidade do ombro contralateral, hiperextensão dos joelhos, cotovelos e articulações metacarpofalangeanas, flexibilidade do polegar e pés planos. A força do deltóide anterior, médio e posterior é verificada posteriormente, juntamente com os testes especiais a seguir descritos. (LECH, 2005).


Testes para Instabilidade

1) Teste do Sulco: traciona-se o braço do paciente para baixo e verifica-se a presença de um sulco inferior ao acrômio. (Figura 1).
 


Figura 1:
teste do sulco
Fonte: Lech (2005)


2) Teste da Apreensão: o braço do paciente é mantido a 90° de abdução e rotação externa. A mão esquerda do examinador traciona para trás pelo punho do paciente enquanto sua mão direita estabiliza o dorso do ombro. O paciente com instabilidade torna-se apreensivo. (Figura 2)

 


Figura 2: teste da apreensão
Fonte: Lech (2005)



3) Teste de Fukuda: O paciente fica com as costas voltadas para o examinador, que realiza uma adução, flexão e rotação interna passiva do braço. Com a mão que se posiciona no cotovelo do paciente, o examinador realiza uma força posterior, procurando posteriormente a cabeça do úmero. (Figura 3)


 


Figura 3: teste de fukuda
Fonte: Lech (2005)



4) Teste da gaveta Anterior e Posterior: o paciente fica em pé com o ombro relaxado, o examinador posiciona-se atrás dele. Uma das mãos do examinador estabiliza a cintura escapular enquanto a outra mão fixa o úmero proximal. Inicialmente da posição central, o úmero é primeiramente empurrado para frente para determinar a quantidade de deslocamento anterior em relação à escápula. O teste é então repetido com uma força abrangente substancial aplicada antes que a translação umeral seja tentada, para se avaliar a competência do lábio anterior da glenóide. O úmero é recolocado em posição neutra, e o teste da gaveta posterior é realizado, com carga compressiva à quantidade de translação e a eficácia do lábio posterior da glenóide. (Figura 4).

 


Figura 4: testes da gaveta anterior e posterior
Fonte: Lech (2005)



Tratamento Conservador x Tratamento Cirúrgico

Desde os tempos de Hipócrates até os dias atuais, muito se tem feito, buscando o tratamento ideal para a luxação recidivante do ombro. (JÚNIOR et al, 2005). Talvez o maior desafio seja estar seguro de qual condição está sendo tratada.

O tratamento conservador da luxação recente do ombro consiste em imobilização do braço em adução e rotação interna, por um período de 4 a 6 semanas. O objetivo da imobilização em seguida à luxação é favorecer a cicatrização da cápsula articular. (GONÇALVES, 1993).

O mesmo autor refere que o tipo do programa de reabilitação e a sua duração dependem de vários fatores, tais como: a gravidade da lesão, estágio da doença, tipo de instabilidade, estado dos estabilizadores dinâmicos e grau de atividade que o paciente pretende reassumir. O programa compreende quatro fases:

Durante a primeira fase, os objetivos serão o restabelecimento integral da mobilidade, a prevenção de atrofias musculares, a redução da dor/inflamação e a cicatrização da cápsula articular.

Durante a segunda fase, a maior ênfase do programa é dedicada aos exercícios de estabilização dinâmica, com o objetivo de aumentar a estabilidade da articulação glenoumeral.
A terceira fase tem a finalidade de melhorar o controle neuromuscular sobre a articulação do ombro, especialmente na posição que causa apreensão (exercícios de rotação externa e interna).

A fase final do programa de reabilitação é o retorno à fase de atividade laboral ou esportiva. Esta fase destina-se a fazer o paciente ou atleta voltar ao trabalho ou à prática do esporte, livre de sintomas ou restrições.

Existe concordância geral sobre a indicação cirúrgica nas luxações recidivantes. Sob o ponto de vista da patologia, o objetivo da cirurgia é corrigir a desinserção do labrum do rebordo da glenóide (HERBERT, 2003).

A cirurgia de Bankart descrita em 1923 é a técnica cirúrgica mais empregada para a correção da luxação recidivante do ombro. (LECH, 1995). A implantação das âncoras na glenóide proporciona melhor fixação do labrum e cápsula em menor tempo cirúrgico. O paciente permanece hospitalizado por apenas um dia e usa tipóia por 2 a 3 semanas. Nesse período, ele realiza exercícios isométricos para evitar hipotrofia muscular (HERBERT, 2003).

A reabilitação nesse procedimento de reconstrução tem dois objetivos:
1) Fortalecer os estabilizadores dinâmicos da glenoumeral e escapulotorácicos;
2) Restaurar a flexibilidade estrutural.

Para Maxey (2003), o programa de reabilitação consiste em exercícios de amplitude de movimento ativo e exercícios resistidos, visando amplitude de movimento, força e resistência, trabalhando todas as articulações.

Herbert (2003) diz que em torno de 20 dias a imobilização é descontinuada, e os exercícios para a obtenção de amplitude de movimento se iniciam. Não se espera nenhum tipo de restrição de rotação externa ou elevação com essa técnica. O paciente pode voltar ao trabalho em cerca de 30 a 40 dias e aos esportes em torno de 60 a 90 dias, exceto para aqueles esportes que exijam esforços extremos do ombro.


Conclusão

A luxação do ombro é um problema articular, que envolve a integridade física e psicológico do indivíduo que é portador dessa patologia, uma vez que o indivíduo passa a ter limitações funcionais, principalmente os movimentos de abdução e rotação externa que potencializam a recidiva de luxações.

O tratamento fisioterapêutico dessa patologia, tanto conservadoramente quanto no pós-operatório, terá a finalidade de restabelecer os movimentos fisiológicos do paciente, melhorar a estabilização dinâmica e a funcionalidade do ombro. É importante saber a origem do trauma e a sua gravidade, para orientar o tratamento e desenvolver as melhores técnicas para tal.
Para isso, é necessário que se desenvolvam mais trabalhos que verifiquem os protocolos de reabilitação já existentes, afim de aprimorar o tratamento do paciente com luxação recidivante do ombro.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


• GONÇALVES, J.; GOULD, J. Fisioterapia em Ortopedia e Medicina do Esporte. Editora Manole: SP, 1993.

• HERBERT, S.; XAVIER, R. Ortopedia e Traumatologia. Editora Artmed: Porto Alegre – RS, 2003.

• JÚNIOR, J.; LEITE, J.; MELO, F.; JÚNIO J. A.; CAVALCANTE, A. Eficácia da Fixação Direta do Labrum na Glenóide em Lesão de Bankart Provocada em Laboratório e submetida a Estresse. Site da Web: http//:www.scielo.br. Acessado em 13/10/2005.

• LECH, Osvandré. Membro Superior – Abordagem Fisioterapêutica das Patologias Ortopédicas mais Comuns. 1ª edição. Editora Revinter: RJ, 2005.

• _______________. Fundamentos em Cirurgia do Ombro. 1ª edição. Editora Harbra ltda: SP, 1995.

• MAXEY, Lisa. Reabilitação pós-cirúrgica: para o paciente ortopédico. Editora Guanabara Koogan, RJ: 2003.

• SNIDER, Robert K. Tratamento das Doenças do Sistema Musculoesquelético. 1ª edição. Editora Manole: SP, 2000.

 

Obs.:
- Todo crédito e responsabilidade do conteúdo são de seus autores.
- Publicado em 16/02/06

 


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