Síndrome de Burnout afeta
trabalhadores exigentes demais e pode causar até paranóia
Rio - Não são poucas as pessoas que sentem um calafrio percorrer a
espinha quando se aproxima o fim da noite de domingo. Imediatamente,
elas lembram que terão mais um dia de trabalho pela frente e já
começam a sofrer, por antecedência, os efeitos disso. Nessa
expectativa, muitos sequer conseguem dormir direito. Especialistas
alertam que taquicardia, sudorese e irritação podem ser os primeiros
sintomas da ‘Síndrome de Burnout’ ou ‘Síndrome do Desgaste
Profissional’.
Na gíria inglesa, ‘burnout’ identifica os usuários de drogas que se
deixaram consumir pelo vício. Ao pé da letra, a expressão significa
‘combustão completa’ e descreve o estado de profundo desgaste
profissional a que são acometidos trabalhadores muito dedicados,
exigentes e com mania de perfeição. A lista de profissionais
propensos a desenvolver o Burnout é extensa e inclui médicos,
professores, controladores de tráfego aéreo e agentes
penitenciários.
"Normalmente, o burnout ataca tanto jovens que acabaram de ingressar
no mercado quanto profissionais mais experientes que atuam em uma
mesma empresa há muitos anos. Os primeiros são dotados de grande
idealismo, mas suas aspirações muitas vezes não coincidem com a
realidade da empresa. Já os segundos sofrem por se sentirem
saturados profissionalmente. Por mais que tentem, não conseguem mais
dar tanto quanto gostariam", descreve a psicóloga Ana Maria
Benevides-Pereira, autora do livro "Burnout: Quando o Trabalho
Ameaça o Bem-Estar do Trabalhador".
Os sintomas do Burnout são os mais variados possíveis e vão desde
manifestações emocionais, como baixa auto-estima, perda de motivação
e sentimento de fracasso, até alterações comportamentais, como queda
no rendimento, comportamento paranóico ou agressivo e aumento no
consumo de álcool, café e remédios.
Uma pesquisa do International Stress Management Association (ISMA),
feita em 2002 entre profissionais de nove países, mostra o Brasil no
segundo lugar do ranking dos trabalhadores estressados — perde
apenas para o Japão. Cerca de 70% da população economicamente ativa
sofrem de estresse ocupacional. Desses, 30% são vítimas do Burnout.
Não por acaso, o Código Internacional de Doenças (CID) classifica a
síndrome como acidente de trabalho.
"Na maioria das vezes, o portador de Burnout tem três caminhos a
seguir: ou desiste do emprego e muda de profissão; ou não supera o
problema e cai doente; ou, finalmente, enfrenta a situação de forma
realista e ressurge das cinzas. Muitos têm dificuldade em delegar
funções e acumulam tarefas que fatalmente deixarão de cumprir. É
preciso que essas pessoas saibam que o cemitério está cheio de
profissionais insubstituíveis", avisa a psiquiatra Alexandrina
Meleiro, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Médicos entre as vítimas
Por ironia da profissão, os médicos estão entre as maiores vítimas
de Burnout. Dona de uma agenda repleta de compromissos e reuniões, a
psiquiatra Cristina De Stefano acabou, ao fim de um ano, com uma
inflamação na tireóide. Além das 14 horas diárias de trabalho, ainda
precisava criar sozinha os filhos adolescentes e cuidar da mãe
recém-operada. "Fiquei esperta e aprendi a cuidar mais de mim",
ensina ela, que passou a praticar atividades físicas e a fazer
trabalhos voluntários.
Na maioria dos casos, o tratamento é essencialmente psicoterápico.
Remédios, para atenuar crises de ansiedade e depressão, só em último
caso. "A Síndrome de Burnout não acontece subitamente. Por isso, as
pessoas precisam estar atentas para evitar que o pior aconteça",
alerta Ana Maria Rossi, presidente da ISMA no Brasil.
DESGASTE FÍSICO E EMOCIONAL
O termo ‘Burnout’ foi criado pelo psiquiatra inglês Herbert
Freundenberg em 1974, quando começou a observar o intenso desgaste
físico e emocional dos profissionais que trabalhavam na recuperação
de dependentes químicos. A inspiração partiu do título do romance ‘A
Burnt-Out Case’ (‘Um Caso Liqüidado’), de Graham Greene. Num trecho,
o protagonista Querry diz: "Não me resta praticamente nenhum
sentimento pelos seres humanos a não ser pena".
Nos anos 80, a psicóloga americana Christina Maslach realizou um
estudo com profissionais da área médica, com o intuito de
identificar o modo como lidam com o aspecto emocional do trabalho.
Nele, identificou a ‘despersonalização’ como um dos mais evidentes
sintomas do Burnout. Em outras palavras: o profissional passa a
ignorar chefes, colegas e clientes e a desenvolver características
negativas, como cinismo e indiferença.
Prova de fogo para professores
Os médicos não são os únicos a sofrer as conseqüências da Síndrome
de Burnout. Um estudo feito em outubro pela Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Educação (CNTE) revelou que 48% dos 52 mil
professores de 1.440 escolas no País sofrem com algum sintoma da
doença, como sensação de vazio, comportamento irritadiço e
esgotamento nervoso. E mais: 25% deles — o equivalente a um em cada
quatro — apresentam o quadro completo da doença.
“O desgaste diário do relacionamento com a turma é a principal causa
de Burnout entre professores. Alguns alunos chegam em sala de aula
trazendo problemas de casa. Outros fazem questão de demonstrar que
não concordam com a nota baixa que tiraram. De um jeito ou de outro,
todos descarregam seus ressentimentos em cima do professor”, analisa
Alexandrina Meleiro.
À primeira vista, a professora Júlia Almeida, 50 anos, não teria do
que se queixar. Em vez de agüentar galalaus pirracentos e
mal-humorados, ela dava aula para turmas do Jardim de Infância e da
4ª Série da rede municipal. Mesmo assim, ela começou a não saber o
que fazer em sala de aula e, pior, a perder a paciência facilmente
com os alunos. Tudo por causa, enumera, da baixa remuneração
salarial, das péssimas condições de trabalho e do número excessivo
de alunos por sala de aula.
“Mal chegava no colégio e a minha vontade era de sair correndo.
Quando chegava em casa, caía no choro só de pensar no dia seguinte.
Por mais que tentasse, não tinha motivação para planejar as aulas. A
sensação era de impotência. O pior é que eu acabava descontando as
minhas frustrações no meu marido”, brinca ela.
O sofrimento de Júlia só teve fim em 2004, quando ela tomou coragem
e pediu transferência de setor. Hoje, em vez de dar aulas, dirige
duas creches: “Sempre me considerei uma boa profissional, do tipo
que não gosta de faltar ao serviço. Mas, de uns tempos para cá, já
não sentia a menor realização. Felizmente, consegui dar uma guinada
na minha vida. Voltei a sentir prazer na profissão”.
Afastar-se do trabalho é recomendado
Há cerca de oito anos, o psiquiatra Paulo Pavão está à frente do
setor de Psiquiatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em
Vila Isabel, que oferece assistência psiquiátrica aos funcionários
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Entre médicos,
professores e outros profissionais de nível médio, como serventes e
porteiros, o Pedro Ernesto atende a cerca de 150 servidores
estaduais. “Já atendi uma professora que sofria de severa
inapetência. Aos poucos, descobri que se tratava, na verdade, de
Burnout em conseqüência do assédio moral de uma chefia arbitrária”,
lembra.
Pavão salienta que a primeira medida a ser tomada é afastar o
profissional de seu ambiente de trabalho. A legislação permite,
inclusive, que portadores de Burnout tenham direito a licença médica
e, em casos considerados mais graves, até a aposentadoria por
invalidez. “A melhora do paciente está condicionada à mudança de seu
estilo de vida. Muitas vezes, recorremos ao serviço social com o
intuito de transferir o profissional de setor ou até mesmo de
unidade”, pondera.
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